Ao assumir o Ministério da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro transmitiu uma sensação de alívio, por ter um perfil pessoal mais sereno que os antecessores Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub. Serenidade e discrição, contudo, não se traduzem num compromisso menor com a nefasta agenda ideológica que move o bolsonarismo na área pedagógica. Muito pelo contrário, como se vê no esvaziamento progressivo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), que desde a década de 90 cuida da avaliação do ensino e do aprendizado.
Criado nos anos 1930, o Inep é um braço técnico que atravessou sem traumas governos de diferentes tendências políticas nas últimas décadas. Com a extrema direita bolsonarista, é diferente. Visto pelo governo como foco de resistência à agenda que mistura entre seus ingredientes o ensino doméstico, a pregação religiosa na sala de aula e as ideias do movimento Escola Sem Partido, o Inep vem sofrendo uma debandada acelerada de quadros qualificados.
Na semana passada, sofreu a quinta baixa de destaque: a secretária de Educação Básica, Izabel Lima Pessoa, pediu demissão alegando “motivos pessoais”. Seu marido foi vítima recente da Covid-19. Mas, além disso, ela vinha se desentendendo com o núcleo ideológico da pasta, representado pelo secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim.
Nadalim é conhecido pelas contribuições ao obscurantismo. Modificou um edital para a compra de livros, retirando tópicos exigidos pelo MEC como a agenda da não violência contra a mulher. Também teve influência na nomeação da nova coordenadora de livros didáticos, Sandra Ramos, ligada ao Escola Sem Partido.
A motivação ideológica da intervenção no Inep fica evidente não só em virtude da debandada. Ribeiro também acabou na semana passada com um grupo criado pelo instituto para tratar da atualização do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Transferiu o trabalho para a secretaria-executiva do ministério, uma instância política.
O Ideb é composto pela taxa de aprovação nas escolas e pelos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que a cada dois anos testa os conhecimentos de Matemática e Português de alunos da 5ª e 9ª séries do fundamental e do 3º ano do ensino médio. Um dos temores é que, na reformulação do Ideb, não seja levada em conta a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a partir da qual são elaborados os currículos. O ministério resolveu contratar técnicos de fora do Inep para elaborar uma nova prova de alfabetização, área de Nadalim, justamente porque aqueles do instituto defendem que o teste tenha como referencial a BNCC.
O esvaziamento do Inep sem dúvida afetará a qualidade dos indicadores que balizam as políticas educacionais em todo o Brasil. Para cuidar do departamento do instituto que trata do Saeb e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Ribeiro nomeou o coronel-aviador Alexandre Gomes da Silva, outro nome com credenciais abundantes no campo ideológico e escassas — se tanto — no técnico. Tudo coerente com o esvaziamento do Inep e com o aparelhamento ideológico do ministério. É inaceitável a intervenção ideológica do bolsonarismo numa área tão estratégica para o desenvolvimento do Brasil.