É tão difícil copiar?

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O Brasil levou mais de 300 anos para editar seu primeiro livro. Ele foi publicado em 1808, para marcar a fundação da imprensa régia no país. A primeira universidade brasileira a funcionar de fato, a Universidade de São Paulo (USP), surgiu em 1934, mais de um século depois da declaração da independência – e 300 anos após a fundação da primeira instituição de ensino superior da América Latina, no Peru. Até então, universidade só existia no papel – como a Universidade do Brasil, criada no Rio de Janeiro em 1922 para a concessão de um título de doutor honoris causa ao rei Leopoldo II, da Bélgica.

Esse descaso histórico com a educação não impediu que o Brasil, com uma população de mais de 30% de analfabetos, colecionasse ao longo do século XX alguns dos mais altos índices de crescimento econômico do mundo. O reverenciado Programa de Metas, de Juscelino Kubitschek, destinava recursos para estradas, hidrelétricas, siderurgia, mas desprezava a educação. Não dá mais. No mundo contemporâneo, dominado pela globalização, pela tecnologia e pela competição entre países, o conhecimento é fundamental para a sobrevivência dos cidadãos – e também das nações.

“Quanto mais inclusivo for o alcance da educação básica e dos serviços de saúde, maior a probabilidade de que os pobres tenham uma chance de superar a penúria“, diz o economista indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia em 1998, especialista em pobreza e desenvolvimento. “Sem investimentos em educação, fica praticamente impossível assimilar novas tecnologias”, diz o economista Joseph Stiglitz, Nobel de Economia de 2001, ao analisar as diferenças econômicas entre a América Latina e o Sudeste da Ásia.

O indivíduo com boa formação acadêmica costuma conseguir melhores empregos, criar negócios, aperfeiçoar tecnologias e ajudar a melhorar a produtividade das empresas. Cada ano a mais de estudo significa, na prática, um aumento médio de 14% no salário do trabalhador brasileiro, segundo uma pesquisa do Ibmec São Paulo. Mas o país, como um todo, parece ainda não ter percebido isso. “Nenhum brasileiro individualmente tem dúvidas da importância da educação“, afirma o argentino Jorge Werthein, doutor em Educação pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos, ex-representante da Unesco no Brasil. “Mesmo assim, o país ainda não fez do tema prioridade“.

O avanço na educação deveria ser um item obrigatório na agenda eleitoral deste ano. Deveria ser tratado como prioridade máxima. Países que, no passado recente, estavam parados no tempo, como Espanha, Coréia do Sul ou Irlanda, deixaram para trás a periferia do planeta graças a investimentos pesados no ensino e no conhecimento. No caso brasileiro, porém, falta senso de urgência. A três meses do início da campanha presidencial, PT e PSDB, favoritos na disputa, ainda não colocaram a educação como tema prioritário da agenda. Todas as discussões, até agora, parecem superficiais.

O tucano Geraldo Alckmin, que até março governava São Paulo, defende genericamente a concentração de investimentos no ensino básico. “O foco deve ser a melhoria da qualidade da escola básica pública, com ênfase na formação e no treinamento do professor, nos programas de leituras em sala de aula, na ampliação da jornada e gestão voltada para o sucesso do aluno”, diz o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, que tem assessorado Alckmin.

O partido do presidente Lula, candidato não-declarado à reeleição, também parece defender planos vagos. “A idéia deve ser continuar investindo em universidades públicas, estudar propostas como escola integral e aumentar o investimento em ensino básico”, diz a deputada federal Iara Bernardi, autora do programa de governo do PT para educação na eleição de 2002.

Em 1960, o PIB per capita da Coréia do Sul era metade do registrado no Brasil. Os coreanos investiram maciçamente na educação dos cidadãos e hoje seu PIB per capita é o dobro do brasileiro. “É uma verdade absoluta que o investimento em educação gera crescimento econômico”, diz o economista Naércio Menezes, professor do Ibmec São Paulo. O que deve o país fazer, então, para educar seu povo? Que exemplos internacionais deve seguir? Quanto dinheiro deve gastar? Onde deve gastar? Sem responder a essas questões de forma objetiva, será impossível colocar o país em uma rota de crescimento sustentado.

Dois anos atrás, o Ministério da Educação reuniu especialistas de todo o Brasil para calcular quanto o país precisaria investir para proporcionar a seus estudantes um ensino de qualidade mundial. Resultado: seria necessário aplicar R$ 608 bilhões, durante os próximos cinco anos, para capacitar professores, comprar computadores, construir escolas melhores e oferecer merenda e berços para creches. Isso dá uma média de R$ 120 bilhões por ano, mais que o dobro dos R$ 50 bilhões que governo federal, Estados e municípios investem hoje. Como o Estado está em uma situação financeira crítica, fica difícil resolver a questão sem envolver a iniciativa privada.

Essa ainda é, porém, uma questão que suscita controvérsia política, pois muita gente – que, em geral, põe os filhos em escolas particulares – julga que o ensino fundamental é um dever exclusivo do Estado. “Numa sociedade que considera a educação muito importante, a tarefa de ensinar começa na família”, diz o finlandês Jouni Välijärvi, diretor do Instituto de Pesquisas da Universidade de Jyväskylä. Na Finlândia, as crianças entram na escola aos 7 anos completamente alfabetizadas. No passado, aprendiam a ler em casa para acompanhar o que está escrito na Bíblia, e isso acabou se enraizando na cultura do país. No Chile, todas as escolas, inclusive as particulares, recebem verbas públicas e contribuições das famílias dos estudantes.

Durante a década de 90, o Brasil deu um primeiro passo para tentar recuperar o atraso na educação. O governo Fernando Henrique Cardoso estipulou a meta de colocar todas as crianças na escola e ampliar o acesso ao ensino fundamental. Com esse objetivo, foi criado o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), um mecanismo para garantir um gasto mínimo com a educação em todos os Estados e municípios. Na virada do século, 97% da população entre 7 e 14 anos já estava nos bancos escolares – no começo dos anos 90, eram 87%. Mas o salto nas matrículas escolares não foi acompanhado por um esforço para melhorar a qualidade da escola pública. “Hoje, há escola para quase todo mundo dos 7 aos 14 anos, mas os professores são mal remunerados e as escolas mal equipadas”, diz o economista Sérgio Haddad, da ONG Ação Educativa.

É evidente que é muito melhor para o país ter mais crianças na escola que expostas ao risco das ruas. Com a ampliação do acesso à sala de aula, porém, ficou clara a deficiência de infra-estrutura. Das escolas públicas que acolheram as crianças, 40% não têm energia elétrica. Isso impede desde o uso de computadores até confortos prosaicos, como ligar um ventilador nos dias de calor ou acender a luz para as aulas noturnas. Em parte por causa dessa precariedade, a evasão escolar persiste em níveis elevados. De cada cem crianças matriculadas na 1ª série do ensino fundamental, apenas 54 concluem a 8ª série. A repetência é a principal causa de abandono da escola. Entre os jovens de 15 e 17 anos, apenas 44% cursam o ensino médio, o antigo segundo grau. Na zona rural, esse índice cai para 22%.

Boa parte das escolas brasileiras acaba produzindo analfabetos funcionais, gente que apenas assina o nome e lê o suficiente para reconhecer o letreiro do ônibus. Na Região Nordeste, somente 2% dos estudantes da 4ª série tiveram um desempenho adequado em Língua Portuguesa, segundo dados do Sistema de Avaliação de Educação Básica (Saeb) de 2003. Em Matemática, não mais que 5% dos estudantes da 8ª série da Região Sudeste tiveram desempenho adequado – e esse foi o melhor resultado do país. Regularmente, o Brasil passa vexame nas listas internacionais de desempenho escolar. Num grupo de 40 países, ficou em último lugar em Matemática, segundo uma avaliação da Organização para Cooperação em Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizada em 2003. Em Ciências, ficou em penúltimo. É difícil melhorar esse quadro com professores desvalorizados e desmotivados. O professor de escola pública recebe em média R$ 550 por mês, menos do que ganha um cobrador de ônibus em São Paulo. Com salários assim, fica difícil investir no aprimoramento profissional. A grande maioria não tem computador em casa, e 60% deles não usam a internet.

Em 2003, o Ministério da Educação fez uma pesquisa com um resultado revelador: os alunos da 4ª série com piores resultados nos testes de avaliação tinham professores com renda média de R$ 730, enquanto os estudantes mais bem avaliados tinham aulas com professores com média salarial de R$ 1.300. O caminho natural para superar esse desastre, como mostram os exemplos de todos os países que deram o salto qualitativo em educação, é investir na qualidade do ensino fundamental, com o treinamento de professores e aparelhamento das escolas. Mas hoje, de acordo com um dos maiores estudiosos do sistema educacional brasileiro, o pesquisador colombiano Alberto Rodriguez, da Universidade de Michigan, o gasto público com um aluno do ensino superior é 12 vezes maior que o gasto com um aluno do ensino fundamental. Investem-se R$800 por ano com um aluno do ensino fundamental e R$9.600 com um estudante universitário. Na Coréia do Sul, o aluno de ensino fundamental recebe até duas vezes mais investimento que um universitário. A lógica, portanto, é que haja transferência de recursos do ensino superior para o básico. Mas essa é outra questão politicamente explosiva, pois os professores e funcionários das universidades públicas são um grupo de interesse fortemente articulado e organizado.

Isso não significa que as universidades devam ser deixadas de lado. Ao contrário, o investimento em centros de excelência, produtores de conhecimento e tecnologia, é um fator fundamental para o desenvolvimento das nações. Prova disso são os exemplos recentes da Índia, que forma 250 mil engenheiros por ano, ou da China, que forma 450 mil. O problema é estabelecer prioridades consistentes e critérios de gestão. “Antes de elevar o gasto, que pode e deve ser aumentado, é preciso introduzir nas redes de ensino profundas mudanças em conteúdo, método e gestão”, diz Antônio Carlos Gomes da Costa, consultor em Educação da Unesco, do Unicef e da Organização Internacional de Trabalho (OIT).

“Se isso não for feito, injetar mais recursos será como soprar um trombone furado. Estou falando é de eficiência, eficácia e efetividade.” O governo Lula até mirou no alvo certo ao propor a criação do Fundeb, um fundo que amplia o Fundef de FHC e prevê um aumento de R$ 4,5 bilhões nos recursos para financiamento da educação infantil, fundamental e média. Mas os critérios de medição de eficiência e eficácia inexistem. Até enviar a proposta de emenda constitucional ao Congresso, em junho do ano passado, o governo também seguia uma trajetória errática. Quando Lula assumiu, com Cristóvam Buarque como titular do Ministério da Educação, a prioridade do governo era a alfabetização de adultos. Substituído Cristóvam por Tarso Genro, a bandeira passou a ser reforma universitária. Só com o terceiro ministro, Fernando Haddad, a educação básica subiu ao panteão das prioridades.

“Há um ponto em comum entre as nações que apresentaram melhora educacional: a continuidade das políticas”, diz o economista colombiano Carlos Herran, especialista em educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “Mas, em geral, na América Latina temos mania de querer reinventar a roda.”

Como acontecia na economia brasileira, no período da hiperinflação, as estratégias educacionais mudam a cada governo. Um exemplo acabado de descontinuidade se deu com os projetos de educação em tempo integral. Hoje, há consenso entre os educadores de que o aumento da jornada escolar e a utilização da escola como espaço público para atividades extracurriculares é um caminho para tentar elevar a qualidade da educação pública.

Os Cieps, criados por Leonel Brizola no Rio de Janeiro na década de 80, foram uma tentativa malsucedida de pôr essa idéia em prática, abandonada por seus sucessores. Retomados por Fernando Collor no governo federal, em seguida também foram esquecidos. Agora, Alckmin volta a falar em ensino em tempo integral. Ninguém espera que governos diferentes façam tudo igual. Mas não convém mudar o rumo a cada quatro anos. Na educação, a experiência de outros países mostra que, para dar certo, é preciso ter um projeto nacional que não acabe a cada mandato e envolva toda a sociedade.

O problema não é o acesso
O Brasil tem índices razoáveis quando o assunto é crianças na escola

Taxa de matrícula no ensino funtamental – em %

Ano 2000/01 2000/02 2002/03
Brasil – 95 Brasil – 97 Brasil – 97
França – 100 França – 100 França – 99
Irlanda – 94 Irlanda – 95 Irlanda – 96
EUA – 94 EUA – 93 EUA – 92

Taxa de matrícula no ensino médio – em %

Ano 2000/01 2000/02 2002/03
Brasil – 96 Brasil – 72 Brasil – 75
França – 92 França – 93 França – 94
Irlanda – 82 Irlanda – 82 Irlanda – 83
EUA – 87 EUA – 85 EUA – 88

O desafio
O principal obstáculo da educação brasileira está no ensino básico.
Quase todas as crianças estão na escola, mas a qualidade do ensino é precária…
Segundo o Enem, a nota das escolas foi, numa escala de 0 a 100, 57 na rede privada e 42 na rede pública.
…e os alunos repetem de ano até desistir da escola.
De 100 alunos que entram na 1ª série do ensino fundamental, 59 concluem essa etapa 25 terminam o ensino médio.

O caminho seguido por outros países
Países que fizeram a lição de casa
Investir em educação foi a chave do sucesso econômico de várias nações

Chile – A reforma educacional começou nos anos 70, na ditadura Pinochet, com a descentralização e privatização do ensino. Nessa etapa, garantiu-se a presença de 100% das crianças entre 6 e 13 anos na escola. Em 1990, após a democratização, começaram a ser implementadas ações para melhorar a qualidade do ensino: bolsas de especialização para professores no exterior, informatização das escolas, mudança no sistema de avaliação dos alunos. No Chile, todas as escolas, inclusive as particulares, recebem verba pública e contribuição de alunos

Espanha – Finalizada em 2002, a reforma educacional dividiu a vida escolar em três ciclos obrigatórios: infantil, primário e secundário. Nos dois últimos ciclos, os alunos podem optar pelo ensino técnico ou pela universidade. Com o sucesso da reforma, 70% dos alunos que concluem o ensino médio matriculam-se numa universidade

Coréia do Sul – Em 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, o governo investiu pesadamente no treinamento de professores, na distribuição de livros na escola primária e na alfabetização de adultos, na expansão das vagas no ensino médio e superior e na criação de faculdades de Pedagogia para formar professores. Em 1950, o país tinha 19 universidades. Em 2001, chegou a 1.261. O número de alunos no ensino superior saltou de 7.819 para 3,5 milhões no mesmo período

Malásia – A primeira medida foi a unificação do idioma, no final dos anos 50. O governo padronizou o currículo, investiu na formação de professores e ampliou as vagas no ensino médio. Instituiu-se o conceito de educação contínua, que vai além do período escolar formal

Irlanda
– A Irlanda decidiu investir em educação nos anos 60. Estava muito atrás de outros países europeus. O número de vagas do ensino médio e superior foi ampliado. Em 1960, o país tinha menos de 20 mil universitários. Em 2003, eram 128 mil. Além do investimento na universidade tradicional, o governo criou faculdades técnicas e abriu vagas de ensino em tempo integral. Em 1985, 40% dos jovens com 18 anos passavam o dia na escola. No ano 2000, já eram 62%

Índia – O país apresenta alta taxa de analfabetismo, 39%, mas o governo investiu maciçamente em escolas técnicas e universidades para formar profissionais de tecnologia. Com isso, conseguiu ganhar mais da metade do mercado mundial de tecnologia da informação.

Os números do problema
Resultado ruim
Apesar de todo o dinheiro gasto, a educação ainda é deficiente no país
72% das crianças de até 6 anos não freqüentam creche ou pré-escola
47 milhões de pessoas acima de 15 anos não conseguem ler e escrever satisfatoriamente
59 de cada 100 alunos que entram na escola vão até o fim
4 em cada 10 estudantes terminam o ensino médio
45% dos alunos do ensino fundamental não têm acesso à biblioteca
62% não têm acesso a quadras de esporte
Fonte: Unesco/2004

Desvalorizados
Professores ganham mal e têm baixa capacitação
68% fizeram faculdade
32% pararam no ensino médio
60% dos professores nunca usam internet
65% têm renda familiar entre R$ 600 e R$ 3 mil
36% não lêem jornal regularmente
Fonte: Unesco/2004

Tem solução
Com pouco dinheiro, daria para resolver uma das principais causas da evasão escolar: a repetência

O desafio – Só 44% dos jovens entre 15 e 17 anos estão na série correta. O resto está atrasado ou largou a escola.

Soluções – Existem programas, como o Acelera do Instituto Ayrton Senna, que ajudam estudantes com dificuldades na escola. Estudos mostram que eles conseguem ajudar 97,7% dos alunos.

Investimento – Seria necessário aplicar R$ 780 milhões em programas de reforço escolar em todo o país. A verba é apenas 6% do que o governo federal gasta com as universidades. A medida beneficiaria 5,3 milhões de alunos que estão defasados entre a 1ª e a 4ª série.

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