Ensino básico ameaçado

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Há 22 anos em sala de aula, a professora de história da rede pública de ensino Vera Gangorra, de 49 anos, escuta dos governantes que educação é prioridade. Cansou de esperar para ver o discurso se tornar realidade. Hoje, prioridade para ela é a aposentadoria, prevista para daqui a três anos. Como Vera, até 2015, uma parcela considerável de professores no Brasil vai se aposentar. O país precisa contratar 396 mil novos profissionais de educação nos próximos 10 anos, se quiser atingir a universalização da educação primária, da 1ª a 4ª série.  
 
A recomendação está no Relatório “Educação para todos 2006 – Professores e educação de qualidade“, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O documento considera a profissão do docente estratégica na promoção de uma educação de qualidade para todos. Recém-concluída pelo Instituto de Estatística da Unesco, no Canadá, a publicação mundial, divulgada ontem em Nova York, apresenta um panorama dos avanços e atrasos no que se refere à situação dos professores no mundo.  
 
De acordo com o relatório, na América Latina e Caribe, o tamanho do professorado ideal será reduzido em função do grande declínio da população em idade escolar. Como conseqüência, o número de docentes para a universalização da educação primária estará reduzido a 146 mil em 10 anos. Tal fato oferece oportunidade a países latino-americanos como o Brasil de melhorar a qualidade da educação por meio de investimento de mais recursos por aluno e por professor. Mas a professora Vera tem dúvidas quanto o cumprimento da meta. “Bonito no papel, mas a realidade é outra“, lamenta.  
 
A falta de investimentos na formação do educador é o maior entrave para a valorização educação básica no país, de acordo com o professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Erasto Fortes. Especialista na área de política de gestão em educação, Fortes lembra que a partir da década de 1960 começou a expansão do ensino no país, mas a carreira profissional não acompanhou o mesmo progresso. “Não adianta universalizar o ensino sem qualidade“, afirma.  
 
DESCASO – De acordo com o relatório da Unesco, 92% dos professores de 1ª a 4ª série do Brasil não cursaram nível superior. Para Fortes, o problema da atual política de formação continuada de professores está relacionado, principalmente, ao descaso com a gestão da educação nos estados e municípios. “Nós teríamos que verificar a metodologia usada pela Unesco para só então fazer a comparação. No momento, preliminarmente, esses dados não conferem com o do instituto de pesquisa“, declarou o ministro da Educação, Fernando Haddad.  
 
O coordenador editorial e assessor para a Área de Educação da Unesco, Célio Cunha, ressalta que o maior desafio para a educação no Brasil agora é investir no professor. “Nenhuma reforma terá êxito sem condições de resolver os problemas de formação e salarial do professor“, diz. Segundo Cunha, não adianta ter 97% das crianças em idade de freqüentar a escola matriculadas no ensino fundamental, se não qualificar o docente.  
 
O assessor da Unesco defende a necessidade de aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) pelo Congresso Nacional para haver avanços, principalmente na qualificação do professor. “O Brasil tem um estoque de professores fora da sala de aula. Os salários não atraem e eles migram para outras profissões“, diz.  
 
O relatório da Unesco faz parte das ações da organização para comemorar, até domingo, a Semana da Educação para Todos que este ano tem como prioridade o educador, com o tema “Toda criança precisa de um professor“. A campanha realizada anualmente lembra governos e sociedade civil sobre os compromissos de melhoria do ensino assumidos em Dacar, em 2000, por ocasião do Fórum Mundial de Educação. 
 
 
Abandono e repetência são altos 
 
O Relatório Mundial sobre a Profissão Docente da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) recomenda atenção especial ao problema da repetência entre os alunos da 1ª à 4ª série do ensino fundamental. O documento destaca 45 países em que o total de alunos repetentes, em 2004, corresponde a 10% das crianças matriculadas nessas séries.  
 
O Brasil ocupa a 30ª posição no ranking mundial. O percentual de repetentes da 1ª à 4ª série chega a 21% do número de matrículas na educação primária. Dados da organização não-governamental (ONG) Missão Criança confirmam as estatísticas da Unesco. De acordo com levantamento da ONG, no ano passado, 1,3 milhão de crianças tiveram que repetir a 1ª série do ensino fundamental. O problema é que não conseguiram avançar nas primeiras lições de alfabetização em 2004.  
 
Nem todos foram reprovados. Desse grupo, pouco mais de 400 mil estudantes pararam de ir à aula e retomaram os estudos no ano seguinte. Já a 2ª série foi repetida por um número menor de crianças, mas não menos preocupante: 926 mil estudantes. Além do abandono e da evasão escolar, as perdas sociais são contadas dentro da sala de aula pelos professores de educação básica.  
 
PRESSÃO – Para a professora Elenise de Oliveira, de 48 anos, o problema ocorre desde a primeira infância, pela falta de estrutura econômica e social. Para brigar por melhores condições para alunos e professores, Elenise pretende se juntar hoje a um grupo de educadores que vai ao Congresso Nacional exigir a aprovação de projetos que propõem maior atenção à educação. O ato faz parte da 7ª Semana Nacional de Defesa e Promoção da Educação Pública.  
 
Os manifestantes também programaram uma paralisação nacional das atividades hoje, a partir das 10h. A intenção é exigir dos parlamentares a aprovação de projetos como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), considerados pela categoria um avanço na implementação de um sistema de educação público de qualidade. (HB) 
 
 
 
País tem repetência maior que a do Camboja  
Folha de São Paulo – Fábio Takahashi  
 
Da primeira à quarta série, taxa de reprovação no Brasil chega a 21%, segundo estudo divulgado pela Unesco  
 
Considerada um dos principais indicadores de qualidade na educação, a taxa de repetência no ensino primário (primeira a quarta série) no Brasil é pior do que a do Camboja e equivalente às de Moçambique e Eritréia. É o que aponta uma pesquisa divulgada ontem pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).  
 
Em uma das seções do estudo, que aborda a qualidade da educação em todo o mundo, a entidade considerou os 45 países cujos índices de repetência são superiores a 10%. O Brasil, com taxa de 21% (a pesquisa usa como base o ano de 2002), tem situação melhor apenas que 15 países, a maioria da África. O Camboja, por exemplo, tem 11%. Já o Haiti, 16%, e Ruanda, 19%. No Chile, o índice é de 2%, e na Argentina, 6%.  
 
A taxa de repetência no Brasil (21%) se assemelha às de Moçambique e Eritréia, que possuem, respectivamente, o 168º e o 161º IDH (índice que mede o desenvolvimento humano em todo o mundo). Essa lista tem 177 países – e o Brasil é o 63º. Segundo o estudo, a repetência reflete “condições insatisfatórias de ensino e de aprendizagem“. Para Célio da Cunha, assessor para a área da educação da Unesco no Brasil, uma das explicações para o alto índice de fracasso é a falta de condições para o professor. “Eles não estão preparados para ensinar alunos com dificuldades socioeconômicas.“  
 
Cunha afirma que a repetência, “além de ser prejudicial ao sistema, acaba com a auto-estima do estudante“. Segundo ele, “a situação melhorou um pouco nos últimos anos, mas ainda é o principal desafio da educação no país“. Pesquisa feita pela PUC-RJ, com base no Saeb 2001 (sistema nacional de avaliação da educação básica), mostra que o repetente tem, em língua portuguesa, uma nota 20% menor na quarta série.  
 
“Na prática, o que acontece na maioria das vezes é que a escola afirma que a culpa de não aprender é do aluno. Mas não diz que é o ensino que vai mal“, diz Vitor Henrique Paro, professor da Faculdade de Educação da USP e autor do livro “Reprovação Escolar: Renúncia à Educação“. Robison dos Santos Martins, 12, por exemplo, foi reprovado na quarta série duas vezes -uma por ter sofrido acidente que o impossibilitou de fazer a prova final e outra, na opinião da professora, “por não querer nada da vida“.  
 
Para o estudante, a reprovação significou mais do que a perda de um ano letivo. “Foi ruim, porque deixei vários amigos para trás.“ “Ele ficou bem desanimado de fazer a mesma coisa três vezes“, afirmou a mãe de Robison, Antônia Maria dos Santos, 36.  
 
A alta taxa de repetência é ainda mais significativa pelo fato de algumas redes públicas -como São Paulo e Minas Gerais- terem aderido ao sistema de progressão continuada, em que o aluno só repete ao final de cada ciclo (no primário, vai até a quarta série). Segundo dados do MEC (Ministério da Educação), cerca de 20% dos alunos matriculados na educação fundamental estão nesse sistema.  
 
Sobre a alta taxa de repetência no país, o MEC afirmou que possui programas de gestão escolar, o que melhorará a qualidade do ensino no país. Segundo o ministério, esses programas servem como indutores em toda a rede de ensino, pois Estados e municípios são os responsáveis diretos pela educação fundamental. A pasta cita ainda a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos, aprovada no início deste ano. A medida é benéfica por iniciar o aluno mais cedo na escola, agora aos seis anos -antes era aos sete. Isso, dizem especialistas, facilita a aprendizagem.  
 
Outro fator apontado pelo MEC é o Fundeb, novo fundo da educação básica, que está no Senado. Se aprovado, o fundo custeará o ensino infantil -hoje, apenas o ensino fundamental é financiado por um fundo nacional.  
 

 
Brasil precisará contratar mais 396 mil docentes
Folha de São Paulo 
 
O estudo divulgado ontem pela Unesco aponta que o Brasil precisará contratar 396,3 mil professores para o ensino primário até 2015. Atualmente, 806 mil docentes atuam nesse ciclo. A demanda por esses profissionais é calculada com base na projeção do número de alunos para aquele ano. Segundo a pesquisa, serão 14,3 milhões de estudantes -hoje são 13,6 milhões. O levantamento considera também a quantidade de docentes que sairão da rede.  
 
“O problema não será formar esses professores. A questão é como formar“, afirmou Célio da Cunha, assessor para a área da educação da Unesco no Brasil. Como base para essa afirmação, ele cita outro dado da pesquisa: 92% dos docentes no país já têm a qualificação mínima para atuar na educação primária. “A porcentagem é alta. Mesmo assim, a nossa repetência também é alta, o que demonstra que ainda não temos a qualidade necessária.“ Outro problema apontado por Cunha é a falta de interesse na carreira de docente. “Com os salários baixos, muitos se formam em licenciatura e vão para outras profissões.“ 
 

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