Professores assumem a linha de frente do combate à evasão

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Em um ano em que a casa virou escola e em que professores e alunos deixaram de conviver na sala de aula, a manutenção do vínculo das crianças e adolescentes com os estudos se tornou uma das preocupações centrais dos educadores.

Além de cuidar da adaptação do conteúdo para os meios digitais, definir o que seria priorizado, aprender dar aulas em vídeo, entre outras novidades, muitos professores tiveram que dedicar parte do seu tempo para monitorar a frequência e compreender os motivos que levavam os estudantes a faltar nas aulas remotas e a não entregar as tarefas.

O objetivo é um só: evitar o abandono e a evasão – dois desafios clássicos da educação brasileira, que, anteveem os educadores e especialistas, devem se intensificar neste período de pandemia. Segundo o IBGE (Instituto Nacional de Geografia e Estatística), 1,3 milhão de adolescentes de 15 a 17 anos estão fora da escola. Os dados mostram que o abandono se acentua na passagem do ensino fundamental para o ensino médio, saltando de 8,1% aos 14 anos para 14,1% aos 15 anos.

A piorar por causa da pandemia veio a agravar o cenário. “Ainda estamos falando sem dados sistemáticos, vamos ter uma ideia mais precisa da evasão quando forem fechadas as matrículas de 2021, mas existem fortes indícios de que vamos ter um número maior de abandono do que no ano passado”, prevê Maurício Ernica, professor da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Esse processo, complementa Ernica, pode representar um passo atrás em avanços importantes que vinham sendo conquistados lentamente, sobretudo nas taxas de conclusão do ensino fundamental 2 e ampliação do acesso ao ensino médio.

A visão da ponta

Quem está na linha de frente – ou seja, o professor – também tem a percepção de que o risco de abandono e evasão estão mais latentes.

“A gente tinha uma visão mais geral do abandono durante o ano letivo, mas a pandemia ensejou um olhar mais individualizado e atento”, opina o professor Juliano Araújo Carvalho, que dá aulas de Língua Portuguesa na Escola Estadual de Ensino Médio, de Tupaciguara, cidade de 36 mil habitantes no Triângulo Mineiro (MG).

A escola, que começou a oferecer o ensino médio em tempo integral para 140 alunos em 2020, percebeu o risco de evasão logo nas primeiras semanas do ensino remoto. “A secretaria estadual mandou material e orientações e constatamos que 60% dos estudantes não estavam entregando as tarefas. Foi o sinal de alerta”, conta a diretora da escola, Patrícia Andrade de Faria Silva.

Com isso, a escola criou o projeto Ame, que tem como uma de suas frentes o apadrinhamento de alunos para evitar o abandono. Cada professor assumiu o compromisso de acompanhar cinco ou seis alunos. Semanalmente, até sexta-feira são lançados em uma planilha eletrônica os nomes dos estudantes que faltaram ou assistiram a poucas aulas ou não entregaram tarefas. Na segunda, os padrinhos começam a entrar em contato com esses alunos para saber o que está acontecendo e buscar maneiras de suprir suas necessidades para que ele se mantenha engajado.

“Quando o aluno é procurado pelo professor, ele se sente valorizado, sente que alguém se preocupa com ele e isso ajuda a sustentar o vínculo com os estudos e a escola”, comenta o professor Carvalho. Esta é, na visão dele, uma maneira de suprir a lacuna deixada pela falta de aulas presenciais. “Quando a escola funciona, tem o calor dos colegas e a própria aula presencial já tem calor humano, o que é importante para os estudantes se manterem motivados”.

No cenário da pandemia, o professor, que é a pessoa mais próxima do aluno, é quem cumpre esse papel. “É o professor que está junto com o aluno, que sabe o que está acontecendo. Sem ele, não seria possível fazer um acompanhamento tão perto e tomar as medidas tão rapidamente”, avalia Patrícia, que conta que somente quatro dos 140 estudantes de sua escola abandonaram os estudos em 2020.

Ombro a ombro com as famílias

Os contatos com as famílias por WhatsApp ou telefone também passaram a fazer parte da rotina da professora Jéssica Mendes de Oliveira, que assumiu uma turma de alfabetização em 2020 numa escola municipal de Teresópolis (RJ). O município faz parte da iniciativa de Busca Ativa Escolar, desenvolvida pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em parceria com a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), Congemas (Colegiado Municipal de Gestores Municipais de Assistência Social) e Consemas (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde).

“Logo no começo da pandemia, percebemos que seria necessário monitorar de perto, então organizamos grupos de WhatsApp com os pais e passamos a manter um contato mais direto com eles”, explica a professora, que também é orientadora pedagógica na sua escola. Quando necessário, os contatos são individualizados. “As pessoas estão precisando de escuta e acolhimento”.

Esse contato próximo e cotidiano com as famílias permitiu conhecer a fundo a situação de cada uma e buscar as soluções possíveis para cada uma. “É uma ação individualizada, tivemos que buscar um caminho para cada um. Essa aproximação com o pai é uma chave importante para manter o filho envolvido com os estudos, especialmente os pequenos”, comenta Jéssica.

O trabalho desenvolvido por Jéssica e seus colegas de escola se insere no programa de Busca Ativa de Teresópolis, no qual as escolas trabalham em conjunto com o Conselho Tutelar, os profissionais das unidades de saúde e da assistência social.

A intersetorialidade é uma chave importante da Busca Ativa, explica a oficial de Educação do Unicef, Júlia Ribeiro. “A escola desempenha um papel fundamental quando percebe, de forma rápida, o risco de abandono e atua para manter o vínculo do estudante em interação com os profissionais da saúde e da assistência”, analisa a oficial.

Nesse sentido, a pandemia tem propiciado uma mudança de postura da escola, na visão de Júlia. “A escola foca muito no desenvolvimento cognitivo, na aprendizagem. E a pandemia está convocando a escola a ter um olhar ampliado e a se reconhecer como parte essencial da rede de proteção da infância”. A iniciativa, que está presente em 18 estados e 3.200 municípios, gerou um saldo de 78.587 crianças e adolescentes rematriculados em 2020, dos quais 35 mil a partir de abril.

A pandemia está convocando a escola a ter um olhar ampliado e a se reconhecer como parte essencial da rede de proteção da infância

Em Teresópolis, além de identificar e localizar os estudantes ausentes, levar material de estudo para aqueles que moram em áreas remotas ou que não conseguem acompanhar as aulas online, as ações de busca ativa ao longo de 2020 resultarem na identificação de 112 crianças e adolescentes fora da escola há pelo menos um ano.

“Existem escolas que vão ter zero de evasão este ano por conta do trabalho que está sendo feito”, detalha Vanda Figueiredo Rodrigues, coordenadora operacional da Busca Ativa na Secretaria Municipal de Educação de Teresópolis. E o professor foi a figura central desse processo porque é o profissional que está mais próximo dos alunos. “Esse trabalho mudou a relação do professor com a família. Ficou mais leve. Antes, havia mais formalidade e distanciamento”, diz Vanda.

“É uma demanda grande. Mas as pessoas precisam falar, precisam de acolhimento”

Responsabilidade e sobrecarga

Ao mesmo tempo em que o professor está na linha de frente das ações de prevenção e combate ao abandono escolar, esse cenário aumentou suas atribuições e a pressão sobre ele. “É estafante! Toda semana temos famílias para contatar. Algumas famílias são contatadas todas as semanas. É uma demanda grande. Mas as pessoas precisam falar, precisam de acolhimento”, diz a professora Jéssica.

Nesse sentido, na visão de Maurício Ernica, é preciso cuidar para não jogar um peso muito grande sobre os professores. “O professor já está assoberbado porque está tendo que reinventar a sua atividade profissional. Então, a busca ativa não pode ser uma tarefa do professor”, argumenta Ernica. “Ele é corresponsável, mas a responsabilidade última é das políticas que atuam com o conjunto das populações com maior risco de faltar e de evadirem”.

 

Menu de acessibilidade