Jornada da leitura

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Quando a professora de literatura Tania Rösing começou a organizar uma jornada literária, em 1981, as perspectivas não eram das mais animadoras. A cidade de Passo Fundo não está nos grandes centros, o país não tinha tradição em eventos literários, e a professora duvidava que os escritores aceitassem o convite de viajar até o Rio Grande do Sul.  
 
O evento começou tímido, mas o homenageado da primeira edição, Mário Quintana, profetizou que “se as coisas são inatingíveis… ora! Não é motivo para não querê-las…”. A Tania não faltava a convicção de que era possível organizar um encontro multidisciplinar, que discutisse obras pré-escolhidas e superasse os insossos debates que predominavam na academia. O inatingível ganhou forma com debates literários de peso e manifestações artísticas, como música e teatro, sempre com o verniz da informalidade, e há mais de duas décadas acontece nos anos ímpares. O sucesso da inciativa é creditado à garra da professora, que é a grande referência de Passo Fundo e faz da Jornada seu projeto de vida.  
 
No dia 22 de agosto, começa a 11ª Jornada de Literatura, quando mais de 20 mil pessoas deverão se dividir entre cursos, seminários, premiações e programação infantil, e discutirão o tema deste ano: “Diversidade cultural: o diálogo das diferenças”.  
 
– A primeira Jornada Nacional, em 1983, foi realizada com 1100 participantes no Playcenter. De lá para cá, evoluiu de acontecimento literário para evento cultural – explica Tania.  
 
Esta edição terá a participação de Jostein Gaarder, que coleciona admiradores pelo best-seller O mundo de sofia e divulga o recém-lançado A garota das Laranjas (Companhia das Letras). Ariano Suassuana fará uma aula-espetáculo e receberá o título doutor honoris causa da Jornada. E, para discutir a indústria cultural, o francês Gilles Lipovetsky, autor de O império do efêmero, dividirá a mesa com Carlos Reis, de Portugal, Mauro Maldonato, da Itália, e o jornalista brasileiro Alberto Dines. Poesia, estética e espiritualidade, além de manifestações populares na ficção, completam a programação.  
 
– Tenho um carinho especial por Passo Fundo, onde passei a minha infância e é enorme motivo de orgulho: uma cidade pequena que tem projetado o estado para todo o país e exterior. Os debates em Passo Fundo são mais profundos e acontecem em clima de jogo de futebol, com alegria – derrete-se o escritor gaúcho Moacyr Scliar, que até hoje só perdeu duas edições da Jornada.  
 
Para honrar o espírito da Jornada, as discussões deixam as salas da universidade e ganham abrigo sob uma lona de circo, um dos símbolos do evento, que reúne cinco palcos de debates e conferências. Em paralelo às discussões, acontecerá o 4º Seminário Internacional de Pesquisa em Leitura e Patrimônio e o Seminário Nacional de Jornalismo Cultural – além da Jornadinha, que encanta as crianças e impressiona os mais crescidos. As atividades para os pequenos começaram em 2001, quando Tania percebeu que os participantes estavam levando os filhos para a festa:  
 
– Decidimos que elas mereciam um evento em paralelo, com a mesma metodologia, mas com autores específicos. É impressionante observar como elas interpelam os escritores, mas a maior recompensa é constatar que quem participa de uma Jornadinha jamais deixa de ser um leitor.  
 
A metodologia à qual Tania se refere inclui as pré-jornadas que antecedem o evento. Nessas reuniões, professores (de diversas áreas, como história e sociologia, além de literatura) discutem e selecionam obras para a Jornada. Os trabalhos começam no início do ano e servem de estímulo para troca de experiências entre leitores e autores. A iniciativa de espalhar literatura ganhará reforço no primeiro dia do evento, quando a Jornada receberá o título de Patrimônio Histórico e Cultural do Rio Grande do Sul.  
 
Os prêmios, aliás, atraem tanto aspirantes a escritores quanto literatos experientes. O 4º Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura homenageia o escritor do melhor romance em língua portuguesa publicado entre 2003 e 2005, com um prêmio de R$ 100 mil. A competição deste ano promete ser acirrada com finalistas como os brasileiros Chico Buarque e Luiz Ruffato, o português José Saramago José Eduardo Agualusa.  
 
O 9º Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães é voltado para os iniciantes na arte dos relatos curtos, e o prêmio Hans Christian Andersen estimula crianças e universitários a criar trabalhos inspirados em fábulas infantis. Além do escritor dinamarquês, Érico Veríssimo e Miguel de Cervantes também serão homenageados com exposições e peças de teatro. Neste edição, entre os representantes musicais estão as performances de Antonio Nóbrega, o rock de Lobão e as melodias ao piano de Arthur Moreira Lima.  
 
O caráter inovador de Passo Fundo mostra-se ainda nos trabalhos acadêmicos que esmiúçam tendências como a virtualização da leitura e o surgimento de narrativas como o fanfiction – textos online que misturam personagens e enredos. A tradição também terá espaço com a participação de representantes da Academia Brasileira de Letras (ABL), que deixarão a sede carioca para “revisitar” clássicos brasileiros.  
 
– Sentia necessidade de descentralizar a Academia em atividades que fossem além do público do Rio. O encontro em Passo Fundo é uma grande oportunidade para a ABL se democratizar – opina Scliar, responsável pela análise de O alienista , de Machado de Assis.  
 
A programação acontecerá entre os dias 22 e 26 de agosto e conta com o apoio de dezenas de voluntários – os “jornadetes”. No início do mês, Tania Rösing ainda estava dando os últimos passos da peregrinação em busca de patrocínio. Desde 1991, as dificuldades em obter recursos testam o fôlego da professora que procura empresas que invistam em literatura em vez de “construir asfalto ou doar trator”:  
 
– Somos uma movimentação cultural que depende da crença em um objetivo nobre que é formar leitores e discutir literatura. Passo Fundo é hoje a cidade que mais tem livrarias no Brasil e qualquer lugar poderia sediar uma iniciativa semelhante. Desde que existam pessoas dispostas a investir.  

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