Professor da USP critica educação

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Francês, criado no Brasil, Yves de La Taille é um dos psicólogos mais respeitados do país. Professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo na cadeira de Desenvolvimento Moral, La Taille faz pesquisas nessa área desde a década de 80.  
 
Recentemente, publicou o livro “Nos Labirintos da Moral“, com o filósofo Mario Sergio Cortella. Também é autor de “Limites: três dimensões educacionais“. Em entrevista ao site Aprendiz, ele fala sobre moral, ética, mídia, PT e os problemas da educação brasileira.  
 
Aprendiz – Por que as pessoas estão preocupadas com a ética e com a moral neste momento? 
La Taille
– Se você definir a moral como um conjunto de regra, normas e princípios que devem ser seguidos fica meio óbvio perceber que, notadamente, em áreas públicas, ou no futebol, ela não tem sido seguida. E essa preocupação é uma preocupação pela falta, um mal-estar, uma falta à obediência às regras mínimas de convívio. Do ponto de vista da ética, que eu defino como perspectiva de uma vida boa, um projeto de felicidade, acho que as pessoas estão meio perdidas, não sabendo muito bem porque acordam de manhã e dormem à noite. Não têm muitos projetos, vivem muito no dia-a-dia uma vida fragmentada que só vale o momento, sem muita relação com a anterior nem relação com o próximo. É uma melancolia em relação à vida, tanto que uma das doenças que está mais presente hoje em dia, e que preocupa até a saúde pública, é a depressão.  
 
Aprendiz – Essa crise ética sempre existiu ou é algo recente? 
La Taille
– A ética e a moral sempre foram terrenos muito sensíveis. Se você pegar na literatura sempre terá pessoas que reclamarão do comportamento moral dos seus colegas contemporâneos. Mas há épocas ou dias que as coisas se tornam mais graves e mais presentes. Acho que a ética de hoje é uma delas.  
 
Aprendiz – Por que se fala em levar a discussão da ética e da moral para as escolas? Ela já não deveria estar presente no âmbito escolar independentemente de escândalos políticos, por exemplo? 
La Taille
– No caso da escola, houve durante muito tempo a clareza curricular de que as escolas deveriam trabalhar moral e ética. Tivemos como a experiência a Educação Moral e Cívica durante a ditadura militar e, por mais que se possa criticar essa proposta, era um discurso claro que isso era trabalho da escola. E sempre foi trabalho da escola. Primeiro, o que aconteceu, no mundo ocidental inteiro, não apenas no Brasil, é que pouco a pouco ela foi cooptada pela indústria, pelo comércio, pelo capital para essencialmente formar mão-de-obra. Então, os conhecimentos se tornaram principais, exclusivos. E, a escola se preocupar com a formação do cidadão é um preceito constitucional. A segunda coisa: falar disso nas escolas é, também, uma resposta de muitos professores que estão descontentes com o status que eles têm, com o comportamento dos alunos, a agressão entre eles e entre estudantes e professores. A escola tem duas razões para ser um lugar preocupado com isso, porque ela sofre com isso – ou pensa que sofre pelo menos, e o alunos também, com as agressões entre eles próprios – e com uma missão histórica da escola que é de formar o cidadão e não apenas um competente matemático. E isso diria que serve também para a faculdade. O que é pior para a sociedade? Um excelente engenheiro sem moral e sem ética ou um engenheiro razoável, mas moral e ético? O que é mais perigoso? O mau engenheiro ou uma pessoa sem ética? Acho que uma pessoa sem ética. Nesses dois sentidos a escola esta concernida, porque ela sofre o teu problema e porque ela forma jovens. A rigor, se tanta coisa acontece hoje com a sociedade, falcatrua aqui, falcatrua lá, esses adultos com filhos, que foram alunos, se eles são analfabetos moral e eticamente alguém falhou na alfabetização. Isso não vem nem de Deus nem da genética.  
 
Aprendiz – O que seria a moral e a ética no pensamento de uma criança? Como ela enxerga isso? 
La Taille
– Depende muito da idade. No primeiro momento, as duas perguntas são desconexas na criança. A questão moral é a primeira que aparece. A questão existencial: quem eu quero ser, que vida eu quero viver, começa no início da adolescência. Não que a criança, inconscientemente, não já esteja trabalhando esta questão. Mas, não como um objeto de reflexão. A moral começa a ser objeto de reflexão a partir dos 4 ou 5 anos de idade, porque ela é submetida a normas e rapidamente percebe que algumas normas são puro hábito e prudência, como tomar banho, escovar os dentes, comer frutas. Há outras que tem um sentido mais profundo: não bata no seu irmão, não xingue a sua irmã, não pegue as coisas dos outros. A criança percebe precocemente que há coisas que se fazem, que devem ser feitas. O tema moral é algo que a partir dos 4 ou 5 anos ela enfrenta. Quando ela começa, a partir de uns 10 anos, os famosos porquês reais, ela quer saber a razão de ser aquela regra, ela começa a pensar nessa regra em relação à vida. E aí começa a se instalar o sentido da vida, quem eu quero ser, que vida é essa. Se a criança vive numa sociedade aonde existem pautas culturais que dão respostas claras a essas questões em geral, salvo turbulências, ela aceita. Mas, numa sociedade como hoje aonde essas pautas não existem, aonde praticamente ninguém tem a boa resposta, porque as boas respostas de antigamente da justiça social, da democracia universal, do progresso da sociedade – as utopias, como se dizia – estão desaparecidas, você tem dificuldade de a criança ter essas respostas.  
 
Aprendiz – As referências da criança, em geral, são pai, mãe e professor. O senhor acha que são referências negativas, já que grande parte dos adultos não consegue acreditar numa melhoria ética e moral? 
La Taille
– Depende do que você chama de negativo. A pesquisa que eu realizei com 5 mil adolescentes, tinha uma pergunta que indagava o sujeito sobre o grau de confiança que ele atribui a vários agentes: políticos, família, escola, mídia, etc. e tal. A família recebe praticamente 100% dos votos de confiança. A escola menos que a família, mas não está mal colocada. Eu não veria como real uma desconfiança em relação aos adultos, sejam eles educadores e pais. Inclusive porque eles precisam de referência. É claro que se os pais e os professores ou figuras, embora merecedoras de confiança, mas figuras vagas, de contornos não nítidos, é possível que a criança vá procurar na mídia, por exemplo, outros valores.  
 
Aprendiz – Isso sempre acontece? 
La Taille
– Dizem que a mídia influencia as crianças. Eu diria não. A mídia influencia, antes de tudo, os pais, os adultos. Influencia as crianças para comprar porcarias. Este mês tem um monte de propagandas porque teve Dia das Crianças, mas depois some. Exceto alguns canais a cabo, em geral, a tv não é dedicada à criança. Pelo contrário. Tem pouquíssimos programas para criança. A grande maioria das propagandas trabalha para adultos e se alguém é influenciado pela televisão são os adultos, que influenciam as crianças.  
 
Aprendiz – A TV corrompe a moral e a ética? 
La Taille
– Não chega a tanto, mas influencia. Se não tivesse influência alguma as pessoas não pagariam milhões para ter 30 segundos de propaganda na televisão, nem pagariam preços de ouro para dois ou três marqueteiros para se eleger. Ela não é menor do que a gente imagina, mas não há uma tirania. Corrompe ou não? Depende da televisão, depende do programa. Eu separaria da televisão dois aspectos: os programas e a propaganda. Porque, se existe algo na televisão que é bolado para influenciar é a propaganda. A rigor, só ela. Na novela tem alguém escrevendo lá, pode até querer influenciar, mas é mais pontual e um programa comum. Tem jogo de futebol, enlatados americanos, mas há uma parte da televisão que é feita, sim, para influenciar que são as propagandas. As propagandas são os únicos “programas“ que se repetem em todos os canais toda hora. Elas são onipresentes. Você vê a propaganda milhares de vezes, enquanto uma novela você vê um capítulo só. Muda de canal, lá está o banco, o tênis, a cerveja. Acho que daria um destaque sobre o papel da propaganda na TV. E um último ponto: claramente as propagandas, hoje, procuram trabalhar com valores, não com a qualidade do produto. São raras as propagandas que cantam as qualidades do produto. Compre meu carro porque ele é bom. Não. Compre meu carro porque se você comprá-lo se imaginará numa tal paisagem, com uma tal mulher, com tal potência… Tinha uma propaganda, de uma marca X, que apresentaria um filho pedindo para o pai não deixa-lo na porta da balada por causa da vergonha que ele tem do carro do pai. Essa, eu diria, que é uma propaganda complicada do ponto de vista moral, porque nega o valor do pai.  
 
Aprendiz – É uma propaganda que influencia a criança? 
La Taille
– Sim. Faz parte de uma rede de influências. Mas, em geral, influencia o pai sobretudo. Quem vai comprar o carro é o pai, e não a criança. A criança é manipulada, coitada. É o pai que diz: “Se meu filho tem vergonha por eu ter esse carro, então eu preciso comprar outro. O carro da propaganda“. É o pai que está em jogo. Essa propaganda eu diria que é moralmente nefasta porque mostra uma criança que tem uma relação instrumental com o pai, que tem vergonha do pai por causa do carro e nem se sabe o que esse pai faz da vida.  
 
Aprendiz – Mas, em geral, esta é uma propaganda que faz sucesso, que as pessoas acham engraçadinha?! 
La Taille
– Aí volta para a sua primeira pergunta. Se acham engraçada é porque não tem distanciamento. Se não tem distanciamento é porque não tem crítica. E não tem crítica porque, certamente, os educadores, sejam lá em que lugar for, não colocam a crítica.  
 
Aprendiz – Essa crise moral e ética que o país está vivendo trará algum benefício? 
La Taille
– Para a geração atual, não. Poderá trazer benefícios para as gerações futuras se o que estamos passando agora for superado. Quem sabe daqui a duas ou três gerações. Mas, hoje, traz incivilidade, agressividade, violência.  
 
Aprendiz – E isso aconteceria por meio da educação? 
La Taile
– Sim. Mas a educação está estranhamente parada, apática, sem fazer absolutamente nada. A educação, diria, está uma lástima para isso. Tem os Parâmetros Curriculares Nacionais que são uma boa proposta do governo anterior e praticamente ninguém usa isso. É uma vaga referência. O governo do PT parou com todo o tipo de implementação que estava em andamento porque era do governo anterior. A educação está silenciosa. Outro dia se discutiu o silêncio dos intelectuais. Nesse trem eu discuto e questiono o silêncio dos educadores.  
 
Aprendiz – De quem é a culpa pela educação estar estagnada? 
La Taille
– Dos adultos. Da minha geração. 
 
Aprendiz – Existe um menosprezo em relação à educação?  
La Taille
– Quem manda no mundo hoje é a chamada geração 60, a geração hippie. É uma geração que apostou em vários sonhos, viu esses sonhos se desmancharem e agora está catatônica. Ela abriu mão do seu papel educativo. Ela tinha um projeto coletivo e como esse projeto acabou, as pessoas dessa geração acabaram não se preocupando coma sua tarefa mais individual do que em grupo. A gente fala dos políticos, que eles não investem na educação. Sim, mas quem são os políticos que estão no poder hoje? São as pessoas dessa geração. Nenhum partido faz isso. O partido do governo anterior trabalhou para a questão da qualidade da educação, o que é uma raridade, mas este governo atual não trabalha mais.  
 
Aprendiz – Há um contra-senso desse governo que prega tanto a parte social não investir em educação? 
La Taille
– Na minha opinião, como pessoa, e não como psicólogo, sim. Sem dúvida nenhuma. A educação foi estranhamente tratada de forma burocrática pelo governo do PT. Que eu saiba, os PCNs foram criados para melhorar o conteúdo e a qualidade da educação. O PT vetou qualquer implementação desses parâmetros. Por quê? Porque não gosta dos parâmetro. Pode ser. Então, coloca outros. Pelo que eu saiba essa dimensão ficou. O que o PT faz é reforma, reforma, reforma. Cotas. Como você vai resolver o problema da qualidade da educação com cotas? É dar um sonho para essas pessoas e, apesar da má formação da escola pública, podem chegar à universidade. E uma vez que eles chegam na universidade vão fazer o quê? É provável que, embora tenham sua vaga, não conseguem estudar, porque livro custa caro, é período integral… Quem vai sustentá-los? Isso é reforma burocrática. Você não trabalha com a qualidade do ensino. Cota não é solução de jeito nenhum. Até porque quando você dá cotas você admite que a escola pública é ruim.  
 
Aprendiz – As cotas sempre serão ruins? 
La Taille
– Se me dissessem que daqui a dez anos não existirá mais cotas porque, nesse período, o governo injetará bilhões e bilhões de reais para construir uma escola que a classe média também irá querer matricular seus filhos, eu até agüento. Seria algo passageiro. Mas fora isso, eu acho inaceitável. Não melhora em nada a educação brasileira. 

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