Outro direito autoral é possível

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

Assim como ocorreu com o software livre e com o Orkut, o projeto dos Creative Commons foi assimilado rapidamente no Brasil. Parte desse trabalho de fazer com que essas licenças floresçam por aqui é de Ronaldo Lemos, de 29 anos, criador e diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro e coordenador da área de propriedade intelectual na faculdade. 
 
Lemos lançou neste ano o livro Direito, Tecnologia e Cultura (FGV Editora, 212 págs.) no qual analisa como o direito lida com os desafios que a tecnologia traz para a área cultural, principalmente para a questão dos direitos autorais. 
 
Diretor do projeto Creative Commons no Brasil, Lemos está preparando um site brasileiro do Creative Commons, que em breve estará no ar no endereço www.creativecommons.org.br. “Grande parte do site oficial do Creative Commons já estava em português, mas recebemos muitos pedidos para criar uma versão integral do site em português . A partir do lançamento, qualquer pessoa vai poder ter informações atualizadas sobre o Creative Commons no Brasil. Haverá tudo aquilo que for pertinente do site original e também notícias personalizadas sobre o Brasil , inclusive contando dos projetos brasileiros Olinda Cultura Livre, DominioPublico.gov,CulturaLivre .“ 
 
Para falar sobre Creative Commons e as relações entre leis, cultura e tecnologia, o Link entrevistou Lemos por mensageiro instantâneo desde Londres, onde ele está como professor convidado no Centre for Brazilian Studies. Lemos também está organizando a conferência Propriedade Intelectual Global de uma Perspectiva Brasileira, que será realizada no próximo dia 4 de novembro. Leia abaixo trechos da entrevista. 
 
Os direitos autorais nasceram no século 19. Por que só na era da internet houve uma movimentação para mudar a forma como se protege a propriedade intelectual? 
 
Durante todo o século 20 sempre houve um embate entre o desenvolvimento tecnológico e os detentores de conteúdo. Venceu a tecnologia. Foi assim com o surgimento do fonograma (vários músicos e casas de show eram contra), com o surgimento do rádio, da TV e do videocassete. Entretanto, a partir da década de 90 isso começou a mudar. O videocassete foi a última tecnologia que venceu os detentores de conteúdo. Lembre-se que a Sony foi processada por Hollywood, que queria proibir o aparelho, e Hollywood perdeu . A partir da década de 90, o direito passa a proteger o detentor do conteúdo em detrimento da tecnologia. 
 
O MP3 tem um papel importante nessa mudança? 
 
Isso se manifestou em várias mudanças na lei, como o Audio Home Recording Act e o Digital Millenium Copyright Act (modificações nas leis norte-americanas de direitos autorais), e também em decisões judiciais. A decisão do caso Napster é emblemática. Nela, perdeu a tecnologia e ganhou a indústria, contrariando toda a história do século 20. E isso continuou a se repetir com o caso Grokster. O MP3 certamente tem um papel importante, assim como outras formas de compactação, como o MPEG4 ou o DiVx. Mas a questão é que nunca o direito respondeu de forma tão desbalanceada ao problema do avanço tecnológico. O direito hoje privilegia o conteúdo e sufoca a tecnologia e os direitos dos usuários. Daí a importância do surgimento de um projeto como o Creative Commons. 
 
Em que medida o Creative Commons é uma evolução do copyleft? 
 
O Creative Commons é descendente direto do copyleft, especialmente do software livre. O que o Creative Commons fez foi adaptar as lições e o modelo do software para a área da cultura. É claro que, na cultura, você precisava de um modelo diferente, porque as peculiaridades são diferentes da produção de software. Por isso, o Creative Commons oferece aos artistas opções de quais os direitos pretendem permitir que a sociedade usufrua. Isso é muito importante porque assim as duas partes ganham: os artistas, que podem maximizar o alcance e distribuição de suas obras, e a sociedade, que passa a contar com um universo de obras livres, que desobstruem o acesso ao conhecimento. 
 
Como fica a questão da remuneração do artista? 
 
Esse é um aspecto muito importante. O Creative Commons está em sintonia com os chamados “Open Business Models“. Através dele, é possível que o artista seja remunerado, sim. O valor econômico na produção cultural reside na relação que o artista constrói com seu público. Se essa relação é forte, o artista é viável economicamente, independentemente de qualquer mudança tecnológica. Por exemplo, a banda Wilco, que acabou de tocar no Tim Festival, sempre fala isso. O Jeff Tweedy, do Wilco, disponibiliza todos os discos da banda pela internet. Quando a banda gravou o disco Yankee Hotel Foxtrot, a gravadora a demitiu, dizendo que o álbum não tinha viabilidade comercial. Daí eles imediatamente colocaram o disco na rede. A crítica disse que era o melhor disco da banda, e os fãs ampliaram. Com isso, a banda conseguiu um novo contrato com a Nonesuch Records, por um valor quatro vezes maior do que o anterior. Esse é apenas um dos exemplos. Há inúmeros outros, como o caso do BNegão, que disponibiliza tudo em copyleft e, por causa disso, tem hoje uma carreira na Europa sem nunca ter lançado nada lá. Em síntese, o modelo de negócios proposto pelo Creative Commons está muito mais em sintonia com a realidade atual do que insistir no modelo tradicional do século 20. A economia da “reprodução“, em que se ganha dinheiro com a venda de cópias, está dando lugar à econômica da “produção“, em que se valoriza o trabalho contínuo do artista. 
 
Você acredita que em algum ponto gravadoras, distribuidoras de cinema e editoras que operam no modelo tradicional irão aderir ou permitir que seus contratados usem licenças como as Creative Commons? 
 
Já há sinais de que isso pode acontecer. Por exemplo, gravadoras como a Loca Records ou a Magnatures, como noticiou recentemente o New York Times, já são 100% Creative Commons. Além disso, há uma imensa produção cultural audiovisual nova surgindo, que é baseada em Creative Commons. Basta dar uma olhada no Flickr (www.flickr.com), onde a maioria das fotos já usa essas licenças. Ou nos programas publicados através do Broadcast Machine. Entretanto, sou pessimista quanto a isso. A estratégia adotada pela indústria norte-americana é a de persistir na manutenção do modelo do século 20. E o instrumento para isso é um instrumento jurídico. O que essa indústria quer é criar no mundo virtual a mesma escassez do conhecimento que existe no mundo físico. 

Menu de acessibilidade