“Um grande plano para dar um grande salto”, Galeno Amorim

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Galeno Amorim, o coordenador do Plano Nacional do Livro e da Leitura (antes só Fome de Livro), está trabalhando para elaborar uma ampla política do livro, como nunca houve no Brasil. Amorim já marcou pontos no governo, como a desoneração do setor, e diz que a Câmara Setorial do Livro vai ser a 1 que o Ministério da Cultura vai criar (as outras são de música, artes cênicas e artes visuais). O homem do livro no governo Lula, escolhido por causa dos ótimos resultados que obteve na Secretaria de Cultura de Ribeirão Preto, na gestão de Palocci, é autor de livros para crianças e foi editor da Palavra Mágica, pequena casa que, em 2000, conseguiu ter um de seus autores, o então desconhecido Menalton Braff, premiado com o Jabuti de melhor livro do ano por “À sombra do cipreste”. No dia 29 de novembro houve a 1ª reunião do setor com o ministro da Cultura, Gilberto Gil.  
 
 
Depois da reunião com o ministro Gil, a Câmara Setorial já está funcionando?  
 
GALENO AMORIM: Ainda não. Foi uma discussão para a constituição da Câmara Setorial. Mas, na prática, o que houve desde junho equivale ao papel de uma câmara setorial. Temos travado um diálogo muito forte com o pessoal da área. Foram 120 dias de muita discussão, diálogo, construção. A reunião de segunda-feira foi o desdobramento natural de um processo. Estavam lá umas 150 lideranças de vários estados brasileiros para apresentar propostas ao ministro. Foi o primeiro encontro do ministro com o setor. E se alguém esperava algo mais caliente , realmente aquele não era ambiente, porque tínhamos feito uma ampla discussão. A Câmara Setorial, agora, vai ser institucionalizada. O que aconteceu na área do livro mostrou o quanto é importante essa política de câmaras setoriais. Com as reuniões, o setor acabou chegando a algo próximo do consenso, mostrou que é um bom caminho. A Câmara Setorial vai se dedicar a construir uma política do livro com metas até 2022, o ano do bicentenário da Independência. Por exemplo, até 2022, o que é preciso fazer? Que índice de leitura e quantas bibliotecas devemos ter?  
 
Vai ser a primeira das câmaras setoriais que o ministro Gil quer criar?  
 
AMORIM: Certamente. É a que está em estágio mais avançado. Com composição quase definida. Na segunda-feira, chegam as últimas sugestões para batermos o martelo, com regras de funcionamento e tudo o mais. As propostas que vêm chegando sugerem reuniões mensais em Brasília. A idéia é que a Câmara seja representativa do Brasil e tenha, portanto, instituições de várias partes do país, para ter um caráter plural e nacional. Não estamos pensando num espaço de votação, mas de construção de consenso. Vamos ter pautas bem específicas. A sugestão de primeira pauta é a aprovação da proposta final da regulamentação da Lei do Livro e das diretrizes básicas para a política nacional do livro, leitura e biblioteca. A Câmara tem objetivos muito claros, ela é muito concreta. Um resultado prático dessas discussões, nos últimos meses, foi o anúncio, há poucos dias, da desoneração fiscal do livro no Brasil. O ministros Antonio Palocci, Gil, Tarso Genro, junto com o presidente Lula, anunciaram o fim de todo tipo de imposto ou taxa sobre o livro no Brasil. Acabaram o PIS, o Cofins e o Pasep sobre o livro. É um resultado prático já.  
 
Qual vai ser a economia do setor? Vai haver queda do preço do livro?  
 
AMORIM: A medida vai resultar em desoneração de R$ 160 milhões por ano, pelo menos, para livrarias, editoras e distribuidoras. Nós estimamos que, em três anos, isso represente uma redução de 10% no preço do livro. Logo após o anúncio da desoneração, vi editores dizendo que já no mês que vem começa uma queda de 3%.  
 
Mas a desoneração ainda tem de entrar em vigor…  
 
AMORIM: Esta semana, o presidente José Sarney iniciou a tramitação no Congresso de um artigo, na Medida Provisória 202, para aprovação nos próximos dias. Estou conduzindo pessoalmente essas negociações.  
 
Ainda este ano entra em vigor?  
 
AMORIM: Sim, entra em vigor. 
 
Quando o senhor entrou no governo? Com que função?  
 
AMORIM: No início do ano. Eu fui secretário da Cultura em Ribeirão Preto por três anos, com o Palocci. Lá nós tivemos uma política de leitura considerada hoje um modelo internacional. Desde 2001, abrimos 80 bibliotecas e o índice de leitura na cidade cresceu de dois livros lidos por habitante/ano, para 9,7. É um número de primeiro mundo, se você considerar que nos EUA e na Inglaterra é cinco e na França é sete. Ribeirão Preto conseguiu produzir números e casos bastante interessantes. Em função disso, fui convidado num primeiro momento, pela Fundação Biblioteca Nacional, para desenvolver o programa de implantação de mil bibliotecas no país. Em junho, o ministro Gil me convidou para coordenar o processo de formulação da política nacional do livro. Desde junho comecei as consultas e os diálogos. Como resultado prático, chegamos a novembro com a proposta de regulamentação da Lei do Livro. E já temos as diretrizes básicas para a política do livro.  
 
E o Fome de Livro?  
 
AMORIM: Começou a ser estruturado para ser o programa de implantação de bibliotecas públicas. Na fase de formulação, saímos pelo país para discutir com bibliotecários, especialistas em leitura, professores. E havia uma grande demanda por um plano que fosse muito mais que um programa focado na abertura de bibliotecas, embora isso seja da maior importância. Nesse sentido, e antes que viesse a ser lançado, o Fome de Livro ganhou uma nova dimensão: em vez de um programa para abrir mil bibliotecas, passou a ser estruturado para tornar-se o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), que será anunciado pelo presidente Lula junto com a regulamentação da Lei do Livro, no início de 2005. O PNLL terá caráter trienal — o primeiro, portanto, de 2005 a 2007 — com 14 ministérios, fundações, institutos, governos estaduais, prefeituras, setor privado e ONGs.  
 
O governo está trabalhando na regulamentação da Lei do Livro e numa política para o livro, ao mesmo tempo. Como está acontecendo isso?  
 
AMORIM: Tínhamos dois grandes objetivos: colher e debater sugestões para a regulamentação da Lei do Livro e elaborar a política nacional do livro, leitura e biblioteca. Em 500 anos de História, nunca houve uma política do livro no Brasil. Uma política aponta os caminhos, dá as diretrizes estratégicas, básicas. Para que a política aconteça, são necessários decretos, leis, portarias e um plano. Começamos a discutir ao mesmo tempo a política e a Lei do Livro, porque esta já tinha sido inclusive assinada e era um processo em andamento, o resultado de um movimento de dez anos da área editorial. Poderia levar um ano ou dois para acontecer, depois de aprovada a política. Mas eu diria que o Brasil tem pressa.  
 
O senhor visitou todo o país para conhecer a situação do livro. O que viu?  
 
AMORIM: Há uma demanda comum que é a necessidade de políticas públicas que tenham permanência. Outra demanda fortíssima é a necessidade de integração das ações nas três esferas de governo: nacional, estadual e municipal. Outra demanda é no sentido de integrar as ações da área pública com aquelas desenvolvidas na área privada e no terceiro setor. Há bons projetos por toda parte. O grande desafio que percebo nessas andanças é a necessidade de criar espaços para as pessoas e as instituições se encontrarem, conhecerem uns os projetos de ações dos outros. Muitas vezes, os esforços são desperdiçados porque as pessoas não se conhecem. O desafio é integrar.  
 
Há muitas idéias, de ação micro…  
 
AMORIM: Parte de uma visão macro de política, que precisa ter quatros eixos estratégicos. O primeiro deles é democratizar o acesso ao livro e a todo tipo de leitura. O segundo é investir em formação e processos que fomentem a leitura, para não ficar criando depósitos de livros, apenas. O terceiro é trabalhar o livro no imaginário coletivo e, nesse sentido, criar as campanhas de estímulo à leitura. E o quarto eixo é o apoio à indústria do livro, a abertura de novas livrarias, o apoio ao financiamento de editores, o apoio a escritores, esse tipo de coisa. A partir desses quatro eixos estratégicos, que não são só do governo federal, mas dos três níveis de governo, do setor privado e do terceiro setor, é que aparecem essas ações. Queremos um grande plano para dar um grande salto e, em três anos, o país aumentar em pelo menos 50% o seu índice nacional de leitura (hoje em 1,8 livro por habitante, por ano). A idéia é que o Plano Nacional do Livro e da Leitura seja permanente, para que cada governo tenha seu projeto, mas a política não deixe de acontecer.  
 
Com a desoneração, criou-se o Fundo Pró-Leitura. Quais são os planos?  
 
AMORIM: Junto com a desoneração, negociamos com os editores e livreiros a criação do Fundo Pró-Leitura, que será formado com a arrecadação de 1% sobre o valor do livro vendido. Em vez de arrecadar imposto, arrecada-se para o fundo, para desenvolver a leitura. Imagino que daria R$ 45 milhões por ano, num primeiro momento. É insuficiente para se fazer tudo, mas é bem mais do que se tem hoje. O formato do fundo ainda estamos estudando. Queremos que ele desenvolva e apoie projetos no país inteiro.  
 
E já começa a haver uma polêmica com os escritores, que reivindicam 30% da arrecadação do Fundo…  
 
AMORIM: A participação dos escritores começa a acontecer de uma forma mais intensa. Eles dizem que estão estimulados porque a questão do livro e da leitura, finalmente, entrou na agenda nacional. Temos várias instituições e grupos participando, o que tem sido bastante saudável. As sugestões são bem-vindas e vão ser analisadas com o respeito que merecem. Cada vez que a discussão ganha novos parceiros, outras contribuições chegam e também são objetos de discussão e negociação — e esse é de fato o papel da Câmara Setorial.  
 
Com essas medidas, o Brasil vai atrair mais investimentos de fora?  
 
AMORIM: Hoje a média de edição no Brasil é de dois mil exemplares, 50% menor do que há 20 ou 30 anos, muito embora a variedade tenha aumentado. Trabalhar com essa tiragem acaba fazendo com que o preço seja realmente acima do que o brasileiro pode pagar. Do ponto de vista industrial, é uma tiragem muito pequena. Então, é preciso encontrar formas para ampliar as tiragens como meio inclusive de baratear e facilitar o acesso ao livro. Isso tudo forma uma política. Estamos falando em abrir novas bibliotecas públicas e fomentando a abertura de biblioteca em empresas, pela iniciativa privada, bibliotecas em presídios, em hospitais, bibliotecas comunitárias, em ONGs, além das mil bibliotecas do Ministério da Cultura, até 2006. Estamos discutindo com o BNDES e com os bancos oficiais a abertura de financiamento para editoras e livrarias. Queremos linhas especiais que sejam atraentes e realmente façam sentido, ao contrário do que existiu no passado. Também há um programa para abrir mil novos pontos de venda a partir de 2005. O Brasil tem dez vezes menos livrarias do que precisa. Fui informado, depois do anúncio da desoneração, que grupos estrangeiros pretendem investir em 2005. Isso tudo tem produzido confiança e otimismo e ajudado a desengavetar projetos. Vamos construir isso, dentro da Câmara Setorial, para atender aos anseios do setor. 

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