“Um país como o Brasil precisa ter um colchão protetor para a Educação”

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Integrante da equipe de transição do governo Lula, César Callegari preside o Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada. Com uma extensa carreira na área educacional, tanto na esfera pública quanto na privada, o entrevistado desta edição já integrou o Conselho Nacional de Educação (CNE), onde presidiu a Comissão de Elaboração da Base Nacional Comum Curricular. Foi membro do Comitê Nacional de Políticas de Educação Básica, secretário municipal de Educação de São Paulo, coordenou a Câmara Temática de Educação da Região Metropolitana da capital paulista e foi deputado estadual por São Paulo. Ao Abrelivros em Pauta, Callegari conta quais foram as constatações da equipe de transição sobre o Ministério da Educação.

 

Qual foi o cenário que a equipe de transição encontrou no Ministério da Educação?

O orçamento do MEC é R$ 12 bilhões menor que o de 2014. Na verdade, ele deveria ter crescido porque, durante esse período, as regras do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) começaram a ter seus efeitos, obrigando a União a fazer investimentos de volumes financeiros complementares. Como o ministério se viu obrigado a colocar mais recursos na Educação Básica, o resultado no período foi uma diminuição de R$ 12 bilhões em todo o Ministério. Fica fácil visualizar que muitas outras áreas, que são da chamada parte discricionária (não obrigatória) do Orçamento, foram duramente penalizadas.
No Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), por exemplo, que é um órgão responsável por atividades educacionais da maior relevância, como o Enem, o que aconteceu foi um desmonte completo. Mais da metade do seu corpo técnico saiu nesses últimos quatro anos. São pessoas que saíram por perseguição ou porque se demitiram mesmo, porque não aguentavam, tinham compromissos profissionais com a educação.

Como está sendo desenhada a recomposição orçamentária?

Nossa expectativa é conseguirmos atenuar, pelo menos, os problemas gravíssimos que foram deixados pelo governo que está saindo. O governo Bolsonaro tem que ser responsabilizado política e judicialmente pela destruição proposital que cometeu contra a educação brasileira em todos os níveis.

Nós, que participamos do grupo de transição, e que acompanhamos com muito interesse, o tempo inteiro, as movimentações do campo educacional brasileiro nestes últimos anos, não tínhamos ideia da devastação que foi patrocinada pelo atual governo. Vamos ter muito a reconstruir, e não apenas reconstruir, teremos que restaurar programas que foram desenvolvidos.

Já foi amplamente noticiado pela imprensa brasileira o nível de responsabilidade criminosa que o governo patrocinou contra a educação na questão dos livros. Esse foi um dos pontos de atenção levantados pela equipe de transição. Nós temos hoje um diagnóstico bem claro, que mostra uma situação que inspira cuidado. Pelo que a gente percebeu a chegada dos livros não é uma situação intransponível porque muitos já estão sendo encaminhados.

O problema maior é o orçamento para o PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) de 2024, que precisa ser executado em 2023. Aí temos que fazer uma grande recomposição. Sou da gestão educacional, sei que a chegada do livro didático na hora certa e com qualidade é absolutamente indispensável para o início do funcionamento regular das escolas. Então nós temos um problema de conta maior da recomposição orçamentária para 2024 e um problema que precisa ser administrado, que é mais de caixa, agora, para honrar compromissos em trânsito, de natureza financeira, que foram contratados na gestão do atual governo. É preciso assegurar a chegada do livro didático no início do ano letivo.

Os livros de literatura ficaram de fora da compra do MEC e os livros de acompanhamento também.

É uma prática irresponsável porque, como secretário Educação Básica, fui o responsável pela implantação do Pacto Nacional pela Alfabetização na idade certa. Temos que ter livros de literatura disponibilizados em sala de aula, não só na biblioteca.
Desde o primeiro momento o aluno precisa, no seu processo de alfabetização e letramento, escrever, saber expressar as suas ideias de maneira escrita, ler, entender e contextualizar… O país tinha avançado e agora retrocedeu. Esses cortes nos livros de literatura e nos materiais de apoio, num momento crucial que as escolas enfrentam, que ainda vão passar muitos anos com dificuldades trazidas pelo processo da pandemia, são muito graves. É indispensável que esse material de apoio aos professores e aos alunos pudessem ser disponibilizados agora, no início do ano letivo. Vamos ver se, no processo de recomposição orçamentária, a gente retoma isso e retoma a tempo.

Quais as consequências de os alunos ficarem sem as obras literárias?

A presença da literatura em sala de aula, no trabalho cotidiano do professor com seus alunos, é essencial. Na educação infantil, por exemplo, em que não há o objetivo de alfabetização, o objetivo claro é fazer uma apresentação progressiva o livro, da literatura infantil, mesmo que ela seja instrumento de sala dos professores, que eles leiam as histórias, provocando esse interesse e que vai criando uma cultura de valorização do livro e da imaginação.

E quanto aos pagamentos do que está sendo entregue? Será possível honrar esse compromisso com as editoras?

A equipe de transição tem absoluta clareza de que isso é um ponto de emergência, que está colocado entre as providências emergenciais. Eu, pessoalmente, tenho a expectativa de que, pelo nível de responsabilidade social das editoras, e sabendo que elas estão cientes do compromisso do futuro governo em relação a esse tipo de subsídio para funcionamento das escolas, elas vão fazer todos os esforços para que a peteca não caia. O próximo governo certamente vai fazer tudo para que o fluxo seja restaurado entendendo que este é um insumo estratégico para o funcionamento das escolas brasileiras.

O próximo governo tem em mente uma proposta que vise dar mais proteção ao livro e ao material didático, evitando, assim, que eles fiquem reféns de decisões equivocadas ou em segundo plano para atender outros interesses?

Essa é uma convicção minha: a educação é uma política pública que não pode ficar à mercê de oscilações, principalmente aquelas causadas por oscilações de financiamento orçamentário. Elas são sempre duramente prejudiciais para área da educação, que é uma política de longo prazo. Se tiver uma crise, eu posso interromper a construção de uma rodovia e quando as coisas melhorarem eu reinicio de onde parei. No caso da Educação, da ciência, esses campos mais sensíveis, qualquer tipo de “barrigada” significa destruição de capital em inteligência. Um país como o Brasil tem que ter uma espécie de colchão protetor. Eu defendo a ideia de que, na área educacional e na área de ciências, é preciso ter uma espécie de colchão estabilizador protetivo contra instabilidades relacionadas a essas áreas.

 

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