Quem não lê não escreve

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É alarmante o fato de que apenas 1% dos alunos brasileiros da 3ª série do ensino médio (ou seja, os que se preparam para ingressar na universidade) tenha domínio adequado do idioma português. O resultado, expresso em pesquisa do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), deve servir de alerta para os responsáveis pela gestão do ensino, professores e pais de alunos. Não é sem razão que os estudantes brasileiros tenham reagido de forma tão contundente ao “Provão” instituído pelo Ministério da Educação, que expõe o despreparo com que nossos alunos saem das universidades. 
 
O problema apontado pela pesquisa, que inclui outras áreas do conhecimento, como a matemática, poderia ser simplesmente atribuído, numa análise mais simplista e superficial, à má qualidade do ensino público. O estudo, entretanto, também abrange os alunos das escolas particulares, nas quais, em tese, pratica-se ensino de melhor nível. Fica claro que a questão é mais abrangente e grave, merecendo a atenção de toda a sociedade e das autoridades neste final de século. Seria ingenuidade, para não falar em omissão histórica, imaginar que possamos conquistar o desenvolvimento sem preparar adequadamente nossos jovens para um mundo em que a informação, em todas as áreas do conhecimento humano, será um diferencial decisivo para delimitar o grau de independência e competitividade dos países, empresas, instituições e, sobretudo, do indivíduo. Não basta tecnologia de ponta, redução de custos, programas de qualidade e produtividade. Para participar da globalização com vantagens competitivas, o Brasil precisa de valores humanos, cujo talento, cultura, criatividade e preparo são requisitos fundamentais ao desenvolvimento.  
 
Observa-se no País, contudo, uma perigosa desvalorização da cultura básica, da erudição e do conhecimento. A informação científica e humanística é “pelletizada” em apostilas, na “indústria” do vestibular ou na realidade virtual da multimídia eletrônica. A grande maioria dos cursos de ensino médio e os “cursinhos” preparatórios aos vestibulares preparam o aluno apenas para realizar a prova, mas não desenvolvem nele o raciocínio, o senso crítico e o conhecimento de base. 
 
Obras literárias importantes são resumidas de forma pobre e descaracterizada, em poucos parágrafos. As apostilas são confeccionadas sem estudos prévios, ao contrário do que ocorre com os livros, que demandam anos de pesquisa por profissionais, especialistas, intelectuais, escritores e cientistas, contendo ilustrações detalhadas e informações completas. Já sem cultura básica, nossos jovens também não são estimulados à leitura dos jornais e revistas, que também se constituem em fonte imprescindível de informação e formação. 
 
Os estudantes sabem manipular com habilidade os microcomputadores, em casa, e, de forma crescente, também nas escolas, públicas ou privadas. “Navegam” com fluidez na Internet, mas são incapazes de interpretar um texto de Machado de Assis; são verdadeiros ases das artes marciais dos jogos eletrônicos virtuais, mas não conseguem redigir um texto com princípio, meio e fim, estilo, forma e linguagem; “conversam” com colegas de outros continentes, via modem, mas atentam contra o idioma, com seu pobre vocabulário. Nossos jovens têm acesso a todos os canais da era da informação, mas não têm informação. Por isso, no ano decisivo de disputar uma vaga na universidade, recorrem a cursos especializados em vestibulares, que treinam, mas não ensinam. 
 
As escolas brasileiras não possuem bibliotecas. As raras existentes são incompletas e, o que é pior, pouco freqüentadas. Em casa, a leitura de livros, igualmente, não é estimulada. Nada contra a informática, a multimídia e a realidade virtual. É inadmissível, porém, a ausência de formação intelectual e a alienação diante da realidade tangível. Para reverter esse quadro – uma responsabilidade inalienável das autoridades, educadores, professores e pais – não basta oferecer aos alunos os imprescindíveis livros didáticos. É preciso oferecer-lhes incentivos e meios de lerem os principais autores nacionais e estrangeiros, da literatura de ficção e não-ficção, jornais, revistas e obras científicas humanísticas. Essa é a forma de construirmos uma sociedade inteligente, culta e capaz de conduzir o Brasil a um destino melhor. Como reflexão, fica o alerta de Bill Gates, o multimilionário gênio da informática, que, sem nenhum constrangimento, afirmou: “Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros”. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever – inclusive, a sua própria História!  
 
 
Artigo publicado no Jornal Gazeta Mercantil em 17/dez/1996 
 
Reproducão autorizada desde que citada a fonte

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