‘Precisamos de um trem-bala na Educação’

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Superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques foi secretário Nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação e secretário Executivo do Ministério de Desenvolvimento Social. Pesquisador e diretor adjunto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e integrante de vários conselhos sociais e educacionais, ele defende que a Educação no Brasil precisará de prioridades como velocidade no aprendizado e na inclusão.

Como o Brasil tem tratado a educação?

Após a Constituição de 1988 houve um ciclo de melhorias, relevantes nas várias dimensões, na educação básica, que podemos levar em consideração. São melhorias gerais. O problema é que a velocidade dessas melhorias ainda é baixa, diante dos desafios que nós temos, quanto à garantia do direito a uma educação de qualidade para todos os estudantes brasileiros, sobretudo se a gente comparar com o cenário internacional.

É importante sublinhar que no período recente, com um ministério da Educação ausente e os efeitos da pandemia, os progressos frearam. O Ministério não lidou de forma adequada com a pandemia, não só com a quantidade enorme de dias que tivemos aulas suspensas, mas também ao abrir mão de coordenar o sistema educativo e a relação com as secretarias estaduais e municipais. Isso aumentou significativamente os prejuízos na aprendizagem dos estudantes.

O desafio que temos é recolocar em trajetória uma Educação que vinha avançando. Houve um interregno nesse processo nos últimos quatro anos. Precisamos hoje de um trem-bala na Educação, não basta colocar no trilho anterior, porque a velocidade, mesmo positiva, seria baixa.

Precisamos fazer essa recomposição em uma velocidade muito maior de progresso, tanto da aprendizagem, como de inclusão. Temos uma quantidade significativa de crianças, adolescentes e jovens fora da escola. É totalmente impossível supor que um jovem adulto sem ter sequer o Ensino Médio será capaz de ter uma iniciação soberana nesse mundo contemporâneo.

É possível mensurar quanto foi perdido na pandemia, baseando-se no que não foi feito por parte dos governos na questão da educação para que os estudantes não perdessem tanto?

Tem algumas estimativas das aprendizagens não realizadas, mas teremos mais precisão quando tivermos acesso aos microdados do Saeb (Sistema de Avaliação de Educação Básica) que aconteceu no final do ano passado. Teremos uma estimativa um pouquinho mais apurada do cenário nacional, porque vamos poder entender os perfis.

O que sabemos, como sinal, é que em todas as séries, no Brasil e no mundo, ficamos quase 180 dias sem aula. As aprendizagens não realizadas foram significativas. Isso, associado a não termos tido aulas presenciais, pede em 2023 ações muito focadas para recompor as trajetórias de aprendizagem em todas as séries. Desde a criança que não se alfabetizou, até os jovens que estão no Ensino Médio.

Você disse que teremos que ter uma velocidade de trem-bala na Educação. Mas diante da campanha eleitoral polarizada, sem propostas, vê isso acontecendo?

Um modo de olhar o copo cheio desse cenário é que a sociedade brasileira vivenciou, no período de suspensão das aulas na pandemia, uma situação cotidiana que tem como referência a ideia de que a educação, no sistema formal, é muito relevante. A ausência do período presencial fez com que os pais vissem que não tinham como apoiar os estudantes. Houve uma disseminação em larguíssima escala da percepção que, para além do direito abstrato, o ato de ensinar é um ofício, e que os processos de ensino e aprendizagem solicitam uma escola estruturada para isso.

Acho que os governantes terão na sua frente é uma sociedade que hoje clama mais, que vocaliza mais a necessidade de uma educação de qualidade.

Que avaliação o senhor faz do Saeb?

Só com acesso aos microdados vamos poder saber quais são as taxas de participação efetivas, quais são os perfis, quem estava estudando, em nível baixo, médio, alto, étnico racial, quem é branco, quem é preto, pardo, saber das regiões, interior, capital, para poder como avaliar a aprendizagem, conseguir reter os ensinamentos necessários para a gente. O que mais nos interessa é estabelecer papéis de recomposição da aprendizagem dos estudantes. O uso potencial do Saeb será entender o papel das proficiências, a partir da estratificação possível dos microdados e sinalizar parâmetros para a estratégia da recomposição.

Sobre o Ensino Superior e os cortes anunciados para a Educação, o que o senhor prevê como consequências?

Os cortes que existiram na Educação Básica e Ensino Superior, tanto diretamente para as universidades, como para entidades de pesquisa, comprometem significativamente a capacidade de termos pesquisa e formação universitária de qualidade. Um novo governo terá que recompor essa questão orçamentária de forma coerente, consistente, retomar a estratégia de pesquisa básica, pesquisa aplicada, para conseguirmos, nas várias áreas do conhecimento, nos atualizarmos.

Para repatriar os pesquisadores que foram seguir seus estudos no exterior será necessário ter uma estratégia sólida de garantia de financiamento da pesquisa.

O que pode ser feito para que não se mexa no orçamento de uma pasta como Educação, de forma tão drástica?

Na Educação Básica existem alguns vínculos constitucionais, que são necessários e garantem um pouco a situação, mas não são suficientes. Precisamos desenvolver uma cultura nacional de avaliação do sistema de ensino para poder ir calibrando os investimentos da forma mais adequada.

Na educação superior é óbvio que, se nós passarmos por um período em que os responsáveis pela condução da política educacional e da pesquisa não acreditam em ciência, estaremos comprometendo a história do país. Há que se acreditar que um arranjo democrático tenderá a ter governos que acreditam em ciência.

Uma vez acreditando em ciência, eu acho que temos os mecanismos para ter pisos de financiamento razoáveis, que são da mesma natureza que para outras áreas, que também são prioridades.

Então você consegue, num bom arranjo de governança, na interação entre o Executivo e o Legislativo, criar condições para ter pisos. E, espero, mais do que pisos: patamares relevantes de investimento na pesquisa, na educação superior. Uma vez garantido isso, que é nosso desafio hoje, assegurar as condições de construção de consenso, de negociação para um orçamento que seja robusto suficiente para alavancar nossa pesquisa e para alocação de orçamentos.

 

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