“Investir em educação deveria ser prioridade nacional”

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Fundadora e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da Fundação Getulio Vargas, professora visitante na Faculdade de Educação de Harvard e ex-Diretora Global de Educação do Banco Mundial, Claudia Costin é enfática: investir em educação tem de ser prioridade nacional, não só para assegurar o direito de crianças e adolescentes, mas também para tornar a força de trabalho mais produtiva, neste momento de quarta Revolução Industrial. “Não preparar a juventude para esses novos desafios é cruel com as pessoas e é cruel com o país, com o processo de desenvolvimento do Brasil”, disse, em entrevista a Abrelivros em Pauta.

Quais os principais desafios do próximo Governo Federal no que diz respeito à educação?

Nós vamos ter grandes desafios para a educação, a partir de 2023. Depois de quase dois anos letivos, inteiros, de escolas fechadas, ou em sistema de rodízio, por mais que um exército de professores tenha tentado assegurar alguma forma de ensino remoto, perdas de aprendizagem, muito expressivas, aconteceram nesse período, em especial em alfabetização. Recompor a aprendizagem perdida, tanto na alfabetização, quanto nos alunos que tiveram perdas expressivas, especialmente em Matemática, no 5º ano e no 9º ano, além do Ensino Médio, vai ser muito importante.
Outra questão que dialoga com esse primeiro ponto que apontei é o avanço no ensino de tempo integral, como fazem países que têm bons sistemas educacionais. Não ter mais turnos da manhã, da tarde e da noite, mas aulas em turnos únicos, de 7 a 9 horas. Isso não quer dizer ter aulas sem parar, mas com atividades engajadoras, como clubes de ciência, de leitura, de história, mais esportes, ou seja, outras atividades que completam o processo de ensino e que o tornam mais engajador.
O terceiro desafio vai ser fazer a busca ativa dos alunos que abandonaram a escola. Infelizmente, muitos deles foram envolvidos em trabalho infantil. Isso não vai ser simples e é importante que a escola receba bem essas crianças.
E eu não deixaria de falar, inclusive num diálogo com a Abrelivros, das perdas na formação do hábito da leitura. Nós sabemos que boa parte das famílias em que vivem alunos de escolas públicas não tem nem os recursos e nem o hábito, desenvolvido, de ter livros em casa, de ler nos horários de lazer. Retomar a frequência a bibliotecas escolares ou públicas é um ponto importante nesses desafios educacionais. Um não-leitor dificilmente desenvolve capacidade de análises mais complexas, que são demandadas tanto para o exercício de uma profissão quanto para o exercício da cidadania.

Na sua opinião, que priorização os gastos com educação deveriam ter no Orçamento Geral da União?

É importante que o Brasil, assim como a Coreia do Sul fez no passado, em um momento de escassos recursos fiscais, descubra que investir em educação deveria ser prioridade nacional. Não só para assegurar o direito das crianças e dos adolescentes, mas inclusive para que nós possamos tornar a força de trabalho brasileira mais produtiva. Vivemos a quarta Revolução Industrial, em que a inteligência artificial substitui postos de trabalho, inclusive aqueles que demandam competências intelectuais. Não preparar a juventude para esses novos desafios é cruel com as pessoas e é cruel com o país, com o processo de desenvolvimento do Brasil. É importante lembrar que a nossa produtividade no trabalho é muito baixa e está estagnada há muitos anos. A produtividade do trabalho se conecta com a educação. Quanto mais educado um povo, mais produtivo esse povo é.
O Programa Nacional do Livro e do Material Didático, PNLD, é uma política em que o Brasil criou um modelo interessante. Termos uma política de livro e material didático, mais recentemente, incorporando o meio digital, que ao longo do tempo se tornou um programa sólido, com a participação dos professores e de comitês técnicos na seleção de livros, e não se pode perder.

Houve uma descontinuidade ou cortes na primeira parte dos anos 1990 e tivemos alguns cortes mais recentes. Economizar em livro didático é uma pena, porque o livro e o material de suporte são fundamentais para que o professor possa dar boas aulas, para que o aluno desenvolva uma certa autonomia para aprender. O livro didático se direciona tanto ao aluno quanto ao professor. Isso precisa ser fortalecido, principalmente agora que passou a haver um diálogo entre o livro didático e o paradidático, para que tenhamos boas salas de leitura e boas bibliotecas.

Segundo a pesquisa Retratos da Leitura, do Instituto Pró-Livro, 48% dos estudantes de escolas públicas do ensino básico dependem da biblioteca escolar para ter acesso a livros. Mas segundo o próprio MEC, mais de 60% das escolas públicas não têm bibliotecas. Como estimular a criação desses espaços?

Em 80% dos municípios brasileiros não há mais que quatro escolas, então, deveriam existir mecanismos do Governo Federal para não somente coordenar a política nacional de educação, mas apoiar estados e municípios, em particular os que têm mais dificuldade. Imaginar que alguns municípios tenham uma sede de secretaria de Educação não faz sentido. Medidas de aconselhamento técnico, de apoio e de financiamento adicional para esses municípios são muito importantes.

É imprescindível que tenhamos bibliotecas ou salas de leitura. Há três coisas fundamentais a serem feitas: uma delas é ter um acervo diversificado, instigante, que fomente, não só o acesso aos clássicos e às fontes de pesquisa, mas que estimule a leitura por prazer, que os jovens possam retirar livros da biblioteca escolar e levar para casa ou para o recreio para ler. Outro ponto importante é manter essas bibliotecas ou salas de leitura abertas durante toda a jornada escolar. Muitas vezes visitei escolas onde encontrei salas de leitura fechadas, porque não havia um adulto que dispusesse de tempo ou de conhecimento, para manter esse espaço aberto.

E em terceiro lugar, ter um horário na grade escolar em que essas salas de leitura tenham a presença de cada turma. Isso dialoga com a questão que mencionei, de que nós deveríamos ter escolas em turno único ou em tempo integral, com apoio dos governos estaduais ou do federal. Nenhum país com bom sistema educacional tem menos de 7 horas de aula, mas dentro desse período tem um horário reservado para os estudantes irem para a biblioteca. Seja para uma leitura por prazer, seja para fazer pesquisa. Eu recomendaria também que essas bibliotecas escolares tenham obras digitais. Tão importante quanto o livro físico, e ele é muito importante, é poder contar com acervo do que ainda não está impresso. É preciso ter livros em PDF, no Kindle e outros meios para leitura digital, não esquecendo da acessibilidade, como livros em Braile e audiolivros.

Uma proposta de reforma tributária enviada pelo atual Governo Federal, em 2020, prevê a quebra da imunidade do livro. Caso se concretize no futuro, como a sra. avalia o impacto sobre a educação?

Boa parte dos países desenvolvidos optou por não taxar o livro, porque sabem que uma sociedade culta é fundamental para a coesão social e para um desenvolvimento inclusivo. Então, taxar o livro vai na contramão disso. O argumento que eu ouvi, na defesa desse item, na reforma tributária, foi o de que como pouca gente lê não haveria problema em taxar o livro, já que ele se destina à elite. Seria o equivalente a dizer que, na década de 1960, tornaríamos todas as escolas pagas porque somente a classe média alta frequenta a escola. Nenhum país faria isso e nem o Brasil optou por esse caminho. Taxar o livro é um raciocínio muito parecido. Em vez de popularizar a leitura, nós queremos cobrar impostos de livros. Não faz sentido algum.

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