Fim do caminho ou caminho novo?

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A leitura é considerada hoje uma metacompetência, ou seja: quando um sujeito não desenvolve habilidades leitoras, não encontra chaves para novas aprendizagens. Este foi o ponto de partida e um dos eixos centrais da palestra da especialista em práticas de leitura Vera Marchezi na 22ª Bienal do Livro de São Paulo. Realizada na última quinta-feira (16/8) a convite da Abrelivros – Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares, a apresentação focou as práticas de alfabetização e letramento, bem como seus desafios na era da comunicação digital.

 

Para Marchezi, mestre pela USP em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa e autora de séries didáticas como Projeto Ápis, Projeto Teláris e Tudo é Linguagem (Editora Ática), recursos digitais como vídeos, infográficos e simuladores (que estão na pauta do MEC e já foram incluídos em seus editais de aquisição de conteúdo didático) devem ganhar espaço nas salas de aula na medida em que fizerem parte de estratégias pedagógicas de intervenção qualificada:

“Na ânsia de agradar a turma, muitas vezes o professor – principalmente o da escola particular – parte daquilo que os alunos já dominam”, diz ela. “Mas, se eles já dominam o meio digital, não é preciso enfatizá-lo. Como autora, posso dizer que um grande desafio hoje é trabalhar de forma interdisciplinar a linguagem pedagógica e a técnica, de modo que o ponto de chegada seja o aprendizado de temas densos e difíceis, e que os recursos sejam meios de enredarmos esses jovens, aproximá-los e motivá-los”.

Apresentamos, a seguir, alguns destaques da palestra:

“Os jovens conversam hoje escrevendo – seja no smartphone, seja no MSN. Escrevem mais que a minha geração, mas em geral dizemos que eles são semianalfabetos. Por que isto ocorre? Porque aí está a preocupação maior da Educação no Brasil atual: alfabetização e letramento. Na minha época esta preocupação não existia, porque todo mundo era alfabetizado do mesmo jeito e a escola eliminava os que não acompanhavam: se você repetisse dois anos seguidos, era jubilado e não pisava mais numa instituição pública. Vivíamos, porém, uma época em que o Brasil precisava de mão de obra, então se você não tinha acesso ao cognitivo, ao conhecimento, conseguia sobreviver apenas tendo mãos. Hoje, contudo, ninguém quer mãos. A sociedade quer e precisa de cabeças: agora tudo é feito para desenvolver o cognitivo, o conhecimento, não importa em que suporte o conteúdo seja oferecido. E, detalhe: o cognitivo é muito mais difícil de ser avaliado.”

“O responsável pela leitura na escola é o professor de Língua Portuguesa. Mas o professor de Matemática se queixa que o aluno não consegue entender o enunciado da prova. Temos um problema, certo? O professor, seja de que área for, é sempre o mediador da leitura. O professor de Artes, o de Ciências, todos são mediadores de leitura. E não só verbal, mas do que é específico de cada área. Daí a importância da alfabetização caminhar junto com letramento, pois a leitura pressupõe atividades cognitivas, e não mecânicas, como a cartilha de antigamente. O pecado da cartilha era que ela mecanizava – o aluno precisava dizer o que o professor queria que ele dissesse, não o que sabia ou conhecia.”

 


“A leitura compreende: (1) Ativar os conhecimentos prévios; (2) Compreender o sentido literal; (3) Interpretar ; (4) Extrapolar. O letramento e alfabetismo são estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. Enquanto a alfabetização pressupõe o processo de ensino direto, explícito, e sistemático (apropriação do código escrito), o letramento é o oposto: é incidental, indireto e subordinado à motivação, porque envolve a compreensão da escrita e, portanto, tem a ver com o repertório cultural de cada aluno.”

“O nosso desafio hoje é sistematizar os processos de letramento e alfabetização sem torná-los mecânicos nem enfadonhos. Isto me faz lembrar que algumas décadas atrás a TV Cultura fez uma reportagem sobre como os professores utilizavam a televisão, a grande tecnologia da época, na sala de aula. O programa Escola Viva gravou uma das minhas aulas na rede pública em que eu mostrava que é essencial para o mediador a compreensão da linguagem do suporte, pois assim as intervenções se tornam qualificadas e efetivamente voltadas ao ensino.”

Citando o livro Abrindo caminho (Editora Ática, 2010), de Ana Maria Machado,  com ilustrações de Elisabeth Teixeira:

No meio do meu caminho
tem coisa de que não gosto.
Cerca, muro, grade tem.
No meio do seu, aposto,
tem muita pedra também.
Pedra? Ou ovo?
Fim do caminho?
Ou caminho novo?

“Nós estamos aqui hoje diante da possibilidade de utilização de alta tecnologia com os meios digitais. Eles são uma pedra ou ovo? É o fim do caminho ou caminho novo? Quem acha que a tecnologia é pedra, precisa mudar de profissão. Quem acha que é ovo, precisa se alfabetizar nela. A leitura, seja em que suporte for, deve ser sempre um ovo, para que alcancemos a formação do leitor crítico”.

 


Apresentação Vera Marchezi

 


Por Blog das Editoras Ática e Scipione

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