“O PNLD é um exemplo mundial”

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O papel do Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) para melhorar o desempenho escolar e diminuir desigualdades, as disparidades de ações nos municípios nordestinos e as mudanças no modelo de ensino causadas pela pandemia. Estes e outros temas são os destaques na entrevista concedida a Abrelivros em Pauta por Mozart Neves Ramos, integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE), e diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, e ex-secretário de Educação de Pernambuco e ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed).

Abrelivros em Pauta – Na sua opinião, qual o papel do Programa Nacional dos Livros e do Material Didático (PNLD) como política consolidada no país desde os anos 90, para a democratização do acesso de jovens à educação de qualidade no país?

Mozart Neves – O PNLD é um exemplo mundial e tem trazido naturalmente um crescimento educacional para o Brasil. É por meio do livro didático que os professores pautam os projetos pedagógicos das escolas e o material didático é o que inspira a implementação do currículo das redes nas escolas. O PNLD é importante para diminuir desigualdades, um instrumento de equidade para a Política Pública da Educação. Ele melhora o desempenho escolar principalmente nos municípios com renda per capita baixa. Eles não teriam condições de colocar na escola o livro didático porque é um material que não é barato, vide a extensão das redes de escolas. Quando multiplicamos a quantidade de livros pelo número de matrículas, séries e etapas da educação básica é um desafio.

Abrelivros em Pauta – No contexto das obras literárias que compreendem o PNLD, como analisa a diversidade abordada para o aprendizado dos alunos?

Mozart Neves – É importante que tornemos o Brasil um país leitor. Como diz Ariano Suasssuna: “Eu não tenho o hábito da leitura. Eu tenho a paixão da leitura”. Precisamos criar políticas que levem e ampliem o costume de ler. O Brasil é muito diversificado em termos de cultura e os livros no campo literário abordam essa diversidade regional. É fundamental para o estudante e o professor conhecerem as outras linhas literárias, além da sua região. Uso como exemplo a literatura de Cordel. Muitos artistas populares usam o Cordel para tudo: seja para a música, contos ou livros. A literatura é uma maneira de informar e o Cordel, um dos elementos mais fortes no campo da literatura popular para ensinar os alunos a riqueza da nossa cultura.

Abrelivros em Pauta – Quais são os problemas enfrentados pelas políticas públicas para a educação no Nordeste?

Mozart Neves – Recentemente participei do Fórum Celso Furtado, na Paraíba, e foi apresentado o levantamento realizado pelo IEP (Instituto de Ensino e Pesquisa) em parceria com o Itaú Social e a Fundação Lemann. O estudo aponta o destaque de alguns municípios no Nordeste na área de educação. O grande desafio não é chegar, é manter a política. Um dos grandes problemas da política pública na educação no Brasil é a questão da descontinuidade. Muda a gestão e não há continuidade.

Abrelivros em Pauta – Que municípios estão se tornando referência em educação?

Mozart Neves – O estado de Pernambuco tem uma política pública de escola em tempo integral, mas existe uma disparidade das ações nos municípios com diferentes rendas per capita. Por exemplo, o munícipio de Panelas tem o PIB per capita de R$ 7 mil, enquanto o município de Ipojuca tem PIB per capita de R$ 132 mil, porém o resultado de Ipojuca é três vezes inferior ao de Panelas. Por isso, insisto que os resultados estão relacionados com o engajamento da liderança local, que acaba refletindo no planejamento. Em Alagoas, um dos exemplos é o município de Cururipe. A cidade tem resultados similares aos de Sobral, no Ceará, devido à política pública e gestão do munícipio. A diferença é que Sobral já tem uma história que começou a ser construída em 2005 e mantém os índices satisfatórios de educação em um patamar alto para o Brasil. Outro exemplo é o Piauí, sendo Cocal dos Altos a maior referência no estado, com 6 mil habitantes, PIB baixíssimo e resultados maravilhosos. E São João, com o mesmo PIB, e com resultados muito inferiores a Cocal dos Altos. O Brasil pode aprender com o Nordeste, o Brasil pode aprender com o Brasil, como sempre afirmo.

Abrelivros em Pauta – Em 2020, fomos surpreendidos com a Covid-19. De que maneira a pandemia impactou o aprendizado escolar?

Mozart Neves – São vários fatores e reflexos que impactaram. A pandemia trouxe um grande prejuízo do ponto de vista da aprendizagem escolar devido ao aumento da desigualdade. Os estudos e avaliações diagnósticas mostram o retrocesso do processo escolar. Por exemplo, o estado que ofereceu mais condições para o ensino remoto foi São Paulo e, mesmo assim, houve regressão nas disciplinas de português de 10 anos e matemática, 14 anos. Os estudos tratam da educação primária.

Abrelivros em Pauta – O que destaca como mais preocupante?

Mozart Neves – O impacto na educação infantil ainda abarca o prejuízo social e emocional. Há uma crise de ansiedade nos alunos, principalmente nos períodos que antecedem os exames escolares. Precisamos dar mais atenção aos alunos e professores na questão de saúde mental.

Abrelivros em Pauta – Como será o aprendizado no futuro? Quais são os desafios?

Mozart Neves – Qual escola nós iremos pensar daqui para frente? Antes da pandemia, eu falava sobre o modelo de ensino do século 21. A pandemia nos mostrou que vamos ter muitas salas de aula no século 21. Até então, o setor público de educação resistia à tecnologia e foram quebrados alguns paradigmas nos aspectos culturais. De agora em diante, internet banda larga será imprescindível. Celular será o caderno do século 21. A tecnologia não veio para substituir o professor e sim para ser uma aliada no processo de ensino e aprendizagem. Mas para isso não basta colocar internet nas escolas, é preciso preparar os professores para o uso adequado desta tecnologia. É preciso uma política integrada e colaborativa para uma política robusta que beneficie a todos.

Abrelivros em Pauta – Quais os aprendizados após dois anos de pandemia e estudo remoto?

Mozart Neves – A pandemia trouxe o aprendizado rápido: mesmo quem não estava preparado para a mudança teve que se adaptar da noite para o dia e não houve preparo. Porém ficou claro que um dos legados da pandemia foi mostrar que a escola do século 21 terá a tecnologia como recurso central do ensino e aprendizado, mas para isso temos que preparar o professor. O que nós temos que perguntar é de qual professor nós vamos precisar e qual a formação necessária para a demanda do século 21. Professores deveriam preparar o aluno para o futuro do aluno, não para o passado do professor, como disse o falecido Richard Hamilton, matemático americano.

 

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