Falta de continuidade, um desafio para as políticas educacionais

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Mestre em Política Educacional Internacional e diretora executiva do Instituto João e Maria Backheuser, Teresa Pontual compartilhou sua experiência sobre os desafios da educação no Brasil. Destacou, por exemplo, como a descontinuidade de bons programas de alfabetização impacta a educação no país. “Um dos maiores desafios enfrentados por políticas educacionais é exatamente a falta de continuidade, temos bons exemplos já implementados”, afirmou. Também ressaltou a complexidade dos problemas que afetam a educação básica brasileira, enfatizando que eles requerem vontade política para ser enfrentados. “Enquanto a saúde valoriza os gestores das políticas do SUS, formando-os com MBAs e mestrados profissionais, a educação não oferece este tipo de formação aos técnicos que atuam nas quase 5.600 secretarias de educação responsáveis pela oferta da educação básica”. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

 

Com sua experiência em política educacional internacional, como a senhora avalia as práticas educacionais do Brasil?

A responsabilidade pela oferta da educação básica é dividida entre os 26 estados e 5.570 municípios brasileiros. Enquanto os municípios ofertam prioritariamente a educação infantil, a prioridade dos estados é o ensino médio, deixando o ensino fundamental dividido entre municípios e estados. A grande maioria dos municípios, 85% (4.750), tem menos de 10 mil alunos matriculados na educação básica (creche ao ensino médio), seja na rede pública ou privada. Ou seja, são municípios pequenos com poucos recursos e baixa capacidade estatal, mas ainda assim responsáveis por ofertar tanto a educação infantil quanto o ensino fundamental (ou pelo menos parte dele) para sua população. Com essa distribuição de responsabilidades determinada pela Constituição de 1988, é fundamental que os estados consigam trabalhar em conjunto com seus municípios para que haja coerência curricular, pedagógica e estrutural na oferta da educação básica. No entanto, calendários políticos distintos, disputas partidárias e até orçamentárias dificultam essa articulação.

Quais iniciativas acredita que poderíamos adotar ou adaptar para enfrentar os desafios da educação básica no Brasil?

Um excelente exemplo de política educacional que superou os desafios apresentados acima foi o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), implementado em regime de colaboração com os municípios pelo Ceará. O estado conseguiu municipalizar todo o ensino fundamental, mas deu todo o apoio pedagógico, técnico e financeiro para que os municípios pudessem ofertar uma educação de qualidade aos seus alunos. Iniciado em 2007, o PAIC foi ampliando seu escopo para além da alfabetização e hoje atende também os Anos Finais do Ensino Fundamental, tendo seu nome alterado para Programa de Aprendizagem na Idade Certa desde 2011. Um dos maiores desafios enfrentados por políticas educacionais é exatamente a falta desta continuidade, exemplificada pelo PAIC.

A senhora já esteve diretamente envolvida na formulação e implementação de políticas educacionais no país. Na sua visão, qual é o maior desafio na implementação de políticas de educação básica no Brasil e como superá-lo?

Um dos maiores desafios é o da descontinuidade, citado na resposta anterior. Vimos acontecer no estado do Rio um salto nos resultados do Ideb do Ensino Médio, por exemplo, mas quando houve uma mudança na gestão, as reformas implementadas anteriormente foram revogadas. Os problemas que afetam a educação básica brasileira são complexos e sistêmicos e requerem vontade política para ser enfrentados. Indicações políticas para liderar regionais de ensino e escolas dificilmente seguem critérios técnicos e são suscetíveis a descontinuidades também políticas. A cobrança da população e a participação da própria rede em relação às reformas contribuem para que os resultados possam ser perenizados. O Ceará apontou um caminho com o PAIC, que inspirou a política federal Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada. E a política de ensino médio em tempo integral de Pernambuco também se mostrou efetiva e duradoura, inspirando a política federal de Ensino Médio em Tempo Integral. Essas políticas educacionais são ótimos exemplos de como o Brasil está aprendendo com o Brasil.

Na sua visão, como o Brasil poderia melhorar no campo da gestão de políticas educacionais?

Eu gosto sempre de frisar que a gestão de políticas educacionais é um campo profissional fundamental e ainda pouco valorizado no Brasil. Enquanto a saúde valoriza os gestores das políticas do SUS e os forma com MBAs e mestrados profissionais ofertados por instituições de ponta como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a educação não oferta este tipo de formação aos técnicos que compõem as quase 5.600 secretarias de educação responsáveis pelo oferecimento da educação básica. Experiência em docência e em gestão escolar não preparam para a gestão de política educacional. Gerir uma sala de aula ou uma escola é muito diferente de gerir uma rede de ensino. Precisamos avançar na profissionalização das equipes técnicas responsáveis por elaborar, implementar, monitorar e replanejar as políticas educacionais das secretarias de educação do nosso país para aumentar nossas chances de oferecer uma educação de qualidade para os mais de 37 milhões de alunos das Redes Estaduais e Municipais. Isso seria capaz de reduzir as desigualdades raciais e socioeconômicas em vez de perpetuá-las ou agravá-las.

Eu já falei do exemplo do Ceará, que é um exemplo muito bem-sucedido de uma política de alfabetização que conseguiu resultados incríveis. Claro que a pandemia também foi um baque enorme, e haverá um grande trabalho pela frente para a recuperação. No entanto, eles já têm um modelo que funciona, baseado no regime de colaboração entre o Estado e os municípios. Eles fornecem amplo apoio, com material pedagógico, formação, avaliação dos alunos, além de outras políticas de incentivo, como a troca de experiências entre escolas. Por meio do programa Escola Nota 10, por exemplo, é possível equiparar as melhores escolas com as que precisam de mais apoio, condicionando a política de bônus à melhoria de métodos, o que é extremamente interessante. Este programa já foi avaliado até pelo Banco Mundial, que mostrou ter um impacto positivo na aprendizagem. Portanto, acredito na rápida recuperação após o retrocesso causado pela pandemia.

Na minha visão, não existe outra forma de resolver os problemas de alfabetização e os índices baixos de alfabetização no país sem um regime de colaboração. Os municípios, por serem muitos pequenos, têm estruturas muito fragilizadas e não conseguem implementar uma política de alfabetização coerente que inclua material pedagógico adequado, políticas de avaliação formativa eficazes e que realmente permitam o acompanhamento do progresso dos alunos. A partir dessa avaliação, os professores podem ajustar suas abordagens pedagógicas para garantir o avanço de todos. Esse modelo do Ceará já está sendo replicado, não só pelo governo federal, com o Programa Criança Alfabetizada, mas também por uma aliança do terceiro setor que inclui o Instituto Natura, a Fundação Lemann e a Associação Bem Comum, por meio do programa PARC (Programa de Alfabetização e Regime de Colaboração), que também visa levar esse modelo bem-sucedido para outros estados com um apoio intensivo do terceiro setor.

 

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